Música eterna das revoluções

A terceira edição do ciclo Música e Revolução mostrou-se um momento especial na programação da Casa da Música, mais especial ainda do que no ano anterior.

Desta vez, o programa não só possibilitou visitas históricas a grandes nomes da música ocidental (intemporais, mas do século XX), como os de Stockhausen e Berio (este último um reincidente no Música e Revolução), como permitiu ainda testemunhar o meritório desempenho da Orquestra Nacional do Porto (ONP) em linguagens menos "clássicas".

Começando pelo final, a Casa da Música (CdM) apresentava em estreia nacional uma obra única, num concerto que, de tão único, se repetia logo a seguir (antecedido por uma conversa conduzida por Anthony Burton, com o maestro R. de Leeuw e o compositor Luís Tinoco). A obra, essa, era tão especial que, para infelicidade de Luís Tinoco, nem Lutoslawski nem Lindberg poderiam alguma vez ter sonhado escrevê-la. Gruppen (1957), de Stockhausen, pisava solo português na garagem da CdM, cinquenta anos após ter sido composta.

A Orquestra Nacional do Porto, numa formação alargada a 109 músicos, apresentava-se dividida em três, cada uma delas com o respectivo maestro, rodeando a plateia à frente e em ambos os lados. Além da orquestra, altifalantes dispostos em vários dos pilares do parque de estacionamento ajudavam a distribuir "a mensagem", em que o espaço representa um papel importantíssimo.

A genial música não durou mais do que 22 minutos em cada uma das interpretações - o suficiente para não martirizar quem, à partida, lhe reage não totalmente isento de preconceitos, o suficiente para extasiar e deixar arregalados os ouvidos que se dispõem a experimentar a vitalidade da música. Destaque-se o delicioso momento (de fácil apreensão) em que um acorde viaja de orquestra para orquestra, como uma massa cujo percurso quase se consegue apontar com os olhos, tão bem conseguido pelos maestros que com a ONP prepararam minuciosamente a obra.

Muitos aplausos despenderam ambos os públicos, aparentemente o primeiro mais povoado por uma faixa etária mais elevada e o segundo com mais estudantes; em qualquer dos casos, público heterogéneo, como é mais ou menos habitual em concertos de Stockhausen.Com o agrupamento vocal alemão Neue Vocalsolisten Stuttgart (também reincidente no Música e Revolução), já na semana anterior a ONP havia demonstrado um sólido trabalho, na apresentação da Sinfonia (1968) de Berio. O maestro Michael Zilm, que na primeira parte do concerto havia inesperadamente subido ao palco da Sala Suggia a convite de Maria de Medeiros, para erguer o punho e cantar a Internacional, e que em anteriores situações demonstrara já grande capacidade para conduzir grandes massas sonoras à frente da ONP, dirigia, então, eloquentemente a Sinfonia, permitindo apenas ocasionalmente um movimento um pouco mais pesado e arrastado do que o que habitualmente se pratica nesta obra.

Também o Neue Vocalsolisten Stuttgart teve altíssimo desempenho e nem as suas ligeiras imprecisões nos ataques iniciais fizeram antever uma prestação aquém do nível a que já no ano passado (também com Berio) nos havia habituado.

No dia seguinte, 25 de Abril, o Neue Vocalsolisten Stuttgart interpretava na Sala 2 a emblemática Stimmung (1968), num concerto em que talvez apenas a qualidade do som pudesse ser melhorada, de forma mais envolvente (para não falar das cadeiras que tantas dores de costas já provocaram).

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