A idade do degelo: Pólo Norte foi descoberto há 100 anos

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Uma aurora borealcaptada por João Canário, durante a viagem ao Pólo Norte João Canário

Das duas semanas que passou entre os esquimós Inuit na Baía de Hudson, a norte do Quebec, João Canário, investigador da Unidade de Ambiente Aquático e Biodiversidade do Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (Ipimar), trouxe consigo a inquietação não só com a conjuntura delicada da natureza, mas também com a situação das comunidades que vivem no Círculo Polar Árctico. “Eles já estão a sofrer com o desaparecimento do gelo. São caçadores e pescadores, necessitam do gelo. Já não vêem os animais que costumavam ver e agora vêem outros que nunca viram… é preocupante”, contou o investigador.

A expedição levada a cabo na última Primavera pela equipa do Ipimar, em colaboração com centros de investigação canadianos, foi realizada no âmbito do Ano Polar Internacional, que decorreu entre Março de 2007 e Março de 2009. Para assinalar a iniciativa, foi criado o Comité Polar Português, que reuniu um grupo de cientistas com o intuito de impulsionar as actividades ligadas à ciência polar em Portugal, como o projecto Latitude 60, que culminou a com a viagem de sete alunos do ensino secundário ao Círculo Polar Antárctico.

Envolta em controvérsia, a conquista do Pólo Norte pelo norte-americano Robert Peary ainda hoje não reúne consenso. Apesar de ter sido o nome de Peary a ficar para a História, a verdade é que o seu compatriota Frederick Cook reclamava ter concretizado a proeza um ano antes, em 1908. A especulação nunca foi, no entanto, comprovada.

Apesar de Robert Peary ter descrito o extremo norte do globo como um lugar “simples e comum”, João Canário conta que testemunhou no Árctico uma paisagem “diferente de tudo”. “Se uma pessoa fosse lá colocada de olhos fechados, no meio do nada, talvez não achasse nada de especial. Se calhar eu achei diferente porque sabia onde estava”.

Com dados científicos recentes a revelarem que o Pólo Norte poderá sofrer uma perda de gelo total já na próxima década, adivinham-se as sequelas dramáticas que afectarão directamente toda a região do Árctico. “Claro que as principais consequências são a nível simbólico”, considera Canário. “Mas serão também a nível económico, pois ficará mais fácil o acesso ao norte, aos recursos minerais, ao petróleo. É muito mais barato transportar mercadorias pelo norte do que pelo Canal do Panamá”, remata.

A extrema dependência das populações nativas do Árctico em relação aos apoios externos está a mudar drasticamente o estilo de vida das comunidades esquimós. As mudanças ocorrem a um ritmo “demasiado rápido”, e a desocupação leva à perda de uma vasta identidade cultural. “Aquilo é o mundo deles há séculos, é difícil que se consigam adaptar. Acabam por ocupar o tempo com o álcool porque não têm mais nada para fazer”, adianta o investigador.

João Canário vai voltar ao Árctico já no próximo mês de Maio, para continuar a estudar “a poluição e transformações que ocorrem nos recursos marítimos”. Não acredita que vá encontrar um lugar muito diferente daquele onde esteve o ano passado, e também não espera ver igloos, porque “eles já nem têm as ferramentas para os fazer”. Com uma certeza melancólica assegura porém que a viagem ao topo do mundo “é daquelas experiencias que toda a gente deveria ter pelo menos uma vez na vida, para poderem ver, por enquanto, como é que aquilo está”.

Hoje, no lugar onde não há qualquer longitude, o aniversário não vai ser de festa.

De pára-quedas sobre o Pólo Norte

Marta Aires de Sousa tinha 28 anos quando foi a escolhida para representar Portugal num salto conjunto sobre o Pólo Norte, que assinalava os Jogos Olímpicos da Juventude de Moscovo. No dia 21 de Abril de 1998, Marta lançava-se, com a bandeira de Portugal, de um avião a mais de 300 km por hora e a 2500 metros de altitude. Uma proeza que nenhum português voltou até hoje a concretizar.

Actualmente, com 38 anos e um doutoramento em Biologia Molecular, Marta Aires de Sousa é professora universitária na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha, e deixou para trás os saltos de pára-quedas. Hoje recorda a experiência “com grande nostalgia”.

Dos nove dias que durou a missão patrocinada pelo Comité Olímpico Português, a maior parte foram passados a fazer preparação na Sibéria. Acompanhada por dois franceses, uma holandesa, 20 malaios e 50 russos, Marta encontrou “um ambiente totalmente diferente de tudo o que tinha vivido até à data”. Antes do seu próprio salto, viu o primeiro padre a aterrar sobre o Pólo Norte.

À cabeça ainda lhe vem a imagem do grupo de russos que levou champanhe cor-de-rosa. “Abriram a garrafa e esguicharam aquilo tudo. Ficou a neve toda cor-de-rosa”, relembra. Dos mais de 600 saltos de pára-quedas que realizou, foi nas 24 horas de luz solar que amenizavam o solo gelado do Pólo Norte que viveu a maior aventura, “num lugar único à superfície terrestre”.

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