Havia no Spirit original (a BD de Will Eisner) um grau de loucura "surrealizante", expressa figurativa e narrativamente, que por si só estabelecia a identidade da série. Frank Miller não a aparou de todo (os clones palermas, a performance nazi de Samuel L. Jackson e Scarlett Johansson) mas deixou-a desvanecer-se. O seu Spirit é outro, mais convencional, mais indistinto, mais canonicamente "super-herói". O pior é que o filme também. Em todos os aspectos, incluindo a pobreza estereotipada com que Miller trata essas figuras maiores do universo dos super-heróis, a noite e a cidade: a modernidade tecnológica digital (aliança entre a "art direction" e os "special effects) em combate contra o arcaísmo de tinta da china da BD, e mais uma vez a BD ganha sem precisar de mexer um dedo (questão de natureza, mas também da diferença entre um estilo e uma atmosfera e as suas cópia e reprodução).
Da história do "filme de super-heróis", primeiro género americano do século XXI, é indissociável um trauma "fundador": nem um dos super-heróis apareceu em Manhattan a 11 de Setembro de 2001. Um trauma que já reverberou em vários filmes, mesmo que fraquinhos (no "Superman" de Bryan Singer havia uma cena que praticamente explicitava esta espécie de preocupação catártica). Mas na sua ligeireza totalmente desprovida de angústia, é impossível o vislumbre de qualquer sentido de necessidade em "The Spirit". Apenas, talvez, a necessidade de continuar a desbastar o catálogo. Aí, OK, missão cumprida: o "Spirit" está feito.
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