Há um momento, em "Dream of Life", que é um retrato da artista - ou, neste caso, do "ícone rock", como diz - enquanto fã: Patti Smith imita Bob Dylan em "Don't Look Back", o mítico documentário de D.A. Pennebaker sobre a digressão inglesa de Dylan em 1965. Patti dirige-se a Steven Sebring, que está fora de campo, a filmá-la: "Viste 'Don't Look Back'? Steven! Nunca viste 'Don't Look Back'?! Uma vez passei imenso tempo só a tentar aprender a acenar a um táxi da mesma maneira que Bob Dylan o fazia." O gesto em causa é um braço insolentemente esticado, mão caída, com a palma paralela ao corpo.
Ao telefone a partir de Nova Iorque, Sebring, realizador de "Dream of Life", ri-se porque ainda não viu "Don't Look Back", apesar de se sentir honrado por ter lido uma crítica ao seu filme que dizia que este é o "Don't Look Back" de Patti Smith. "Há dois anos, ela [Patti Smith] deu-me a caixa com o documentário. Um dia destes hei-de sentar-me a vê-lo."
É a prova de que Sebring não podia ser mais indiferente à tradição e desta vez ainda bem. "Dream if Life" tem sido descrito como um documentário sobre Patti Smith simplesmente porque não é uma ficção.
Talvez ajude dizer o que "Dream of Life não é: uma colagem de imagens de arquivo e entrevistas laudatórias, ou o "rewind" do velho artista sobre o auge da sua carreira ou os excessos de juventude. É um retrato impressionista de Patti Smith na intimidade: Patti com os pais (entretanto falecidos), Patti mostrando-nos objectos pessoais cheios de significado, como se fossem coisas que salvou do fogo (o vestidinho de quando era criança, a urna onde guarda as cinzas do amigo Robert Mapplethorpe, a T-shirt encardida de quando o filho era pequeno), Patti em sítios onde poderíamos sentir-nos intrusos (no silêncio da casa de Detroit, para onde se retirou nos anos 80 para criar uma família, até o marido morrer).
Sebring, 42 anos, fotógrafo "free lance" (de estrelas de Hollywood e de moda), filmou Patti Smith durante 11 heróicos anos. E o mais surpreendente é que mal sabia quem ela era. A "Spin" mandou-o fotografar Patti em 1995 para a revista e Sebring diz que houve uma empatia imediata: "Nem sequer a fotografei, a não ser no final do dia; ela teve de me lembrar que eu devia tirar fotografias". Meses mais tarde, foi assistir ao primeiro concerto de Patti em 16 anos, em Nova Iorque. Quando viu a ferocidade dela em palco não conseguiu ligar isso com a mulher doce, viúva e mãe de duas crianças, que tinha conhecido antes. "Às vezes, ela parece-me um pequeno camaleão", resume Sebring.
Fluxo contínuo
É verdade e, no entanto, não daríamos pelo longo arco temporal do filme se não víssemos os filhos de Patti crescer durante o processo: passado e presente não existem (tal como não existem no discurso de Patti), fazem parte do mesmo fluxo contínuo.
Sebring diz que filmou durante 11 anos porque foi ele que financiou o filme, pelo que o projecto esteve sempre dependente das suas circunstâncias económicas. "Além disso, a Patti é uma pessoa muito reservada. Às vezes tenho de lembrar as pessoas de que vê-la no quarto a mostrar pequenas coisas dela implica tempo. Não podemos entrar em casa de alguém e começar a filmar. Com alguém como ela, não funciona dessa maneira."
Na verdade, "Dream of Life" parece mais o anti-"Don't Look Back", o documentário que seguia o escapista Dylan para todo o lado mas sobre o qual se pode dizer, como David Letterman disse a Joaquin Phoenix no seu "talk-show": "É uma pena que não tenha estado aqui." "Dream of Life" é o contrário: é o mais próximo que podemos estar de Patti Smith.
Sebring e Smith prolongaram a experiência com um livro que contém transcrições do que Patti diz no filme, mas é sobretudo um "scrapbook", um álbum ilustrado. E montaram uma instalação ("Objects of Life") com os objectos pessoais de Patti que surgem no filme para ser mostrada em galerias e museus.
Perguntamos a Sebring como é, agora, a sua vida sem filmar Patti Smith, e a resposta é:
"Como assim? O que é que a faz pensar que parei?".