Porque é que a Visabeira quer comprar a Vista Alegre
O interesse da Visabeira só foi conhecido na passada segunda-feira, num comunicado oficial enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), no qual oferecia 7,2 e 9,2 cêntimos em numerário pela VAA, consoante o tipo de acção. As negociações, no entanto, começaram há mais tempo. Aliás, os principais accionistas da VAA (os bancos CGD, BCP e BPI, detentores de 60 por cento do capital) já tinham manifestado a intenção de se afastar da empresa e estavam, por isso, à procura de uma solução que não os obrigasse a fazer novos investimentos.
Prova disso é o facto de nunca terem chegado a dar seguimento a um plano de reestruturação vital para estancar as perdas da VAA. Para concluir o projecto iniciado em 2001 (ano em que Vista Alegre e Atlantis se fundiram) faltava comprar mais equipamento industrial, encontrar mais oportunidades de exportação e despedir 400 trabalhadores. Segundo fonte próxima do processo, a administração nunca teve luz verde para avançar.
A frágil situação financeira da empresa centenária, fundada em 1824, também não ajudou a convencer os accionistas. Nos primeiros nove meses de 2008, registou prejuízos de 13,6 milhões de euros, mais 24 por cento do que em igual período do ano anterior. As vendas desceram 8,4 por cento, enquanto os custos subiram 50 por cento.
Em comunicado, a VAA justificava o abrandamento da actividade com a “impossibilidade de implementar medidas de reestruturação oportunamente propostas” e com “a contracção do consumo nos principais mercados”. E apontava os segmentos do cristal e das faianças como os mais afectados pela “redução de vendas” e pela “concorrência”, que obrigaram a uma diminuição dos preços e, consequentemente, dos lucros.
As tentativas da Vista Alegre...A empresa fundada por José Ferreira Pinto Basto ainda avançou com algumas medidas de contenção: encerrou seis fábricas e toda a cadeia de lojas Casa Alegre, abandonou operações no exterior e despediu perto de 1500 pessoas. Não conseguiu, no entanto, ter liquidez necessária para concluir o plano de reestruturação, mesmo depois da operação harmónio que resultou num aumento de capital de 50 milhões de euros por conversão de créditos, ficando a banca com 60 por cento do capital.
A empresa tencionava, aliás, dispensar mais 400 trabalhadores, mas não tinha fundo de maneio para os indemnizar. Chegou, inclusivamente, a solicitar ao Ministério do Trabalho que lhe concedesse o estatuto de “empresa em reestruturação” para que pudesse dispensar mais pessoas do que o permitido por lei, sem ter de invocar despedimento colectivo. Não obteve resposta.
Este é um dos problemas que a entrada da Visabeira poderá solucionar. Do lado do grupo de Viseu já há alguns planos. O vice-presidente, Paulo Varela, avançou ao PÚBLICO que, se a proposta de aquisição for aceite, “será feita uma avaliação dos ‘drivers’ de crescimento e dos activos que oneram a operação”. Feito esse diagnóstico, “a empresa terá de se concentrar no que é rentável”.
Para o gestor, “a VAA tem activos de grande valor, como a marca Vista Alegre, as competências de design e de produção e a forte presença em mercados internacionais, mas também tem um conjunto de pontos fracos, como é o caso da situação financeira”.
... e as certezas da VisabeiraA concretizar-se, a OPA lançada via Cerutil, subsidiária dedicada ao fabrico de cerâmica utilitária (veja caixa), poderá constituir uma oportunidade para recuperar a VAA. Para tal, a Visabeira terá de pagar cerca de 12 milhões de euros pelos títulos que estão admitidos em bolsa, fora as acções que não negoceiam no mercado de capitais e o passivo, ainda por apurar.
O negócio está sujeito à não oposição da Autoridade da Concorrência e à aprovação da proposta enviada aos accionistas e aos credores, que têm até 3 de Fevereiro para se pronunciar. Fazem parte do primeiro grupo a CGD (accionista da Visabeira e da VAA) e o BCP, cujos bancos de investimento são também intermediários financeiros da operação, e ainda o BPI. A AICEP também foi abordada, enquanto accionista do grupo liderado de Viseu. E, por fim, IAPMEI, Finangest e Banco Itaú Europa enquanto credores.
A resposta destas três entidades vai ser decisiva para a concretização do negócio. Apesar da “convicção de que a operação vai ter sucesso”, com a compra de, pelo menos, 50,01 por cento do capital, Paulo Varela sublinha que “uma das condições para ser bem-sucedido será a aquisição de créditos a quem fizemos propostas firmes”. Caso a OPA avance, CGD e AICEP tornar-se-ão, indirectamente, accionistas da VAA, que tem 40 por cento do capital disperso em bolsa.
Indústria ganha peso na Visabeira com a VAASe a oferta pública de aquisição avançar, o sector indústria, até agora um dos menos relevantes para a facturação da Visabeira, vai passar a representar um quarto do volume de negócios total do grupo. Juntas, a subsidiária Cerutil e VAA ganham sinergias e economia de escala. Trabalham no mesmo ramo, o da cerâmica utilitária, mas dedicam-se a produtos, mercados e clientes distintos.
A subsidiária da Visabeira foi criada no início dos anos 90 e gera cerca de 10 milhões de euros em vendas, anualmente. Exporta perto de 98 por cento da sua produção (peças em cerâmica para utilizar no forno e no microondas), essencialmente para o Reino Unido, França e Alemanha.
Faz parte da “sub-holding” do grupo de Viseu para a indústria, que pesa, actualmente, sete a oito por cento na facturação. Se a compra da VAA avançar, Paulo Varela garante que o peso poderá alcançar os 25 por cento. Isto porque as duas empresas têm uma actividade complementar, com “pouca duplicação de negócio”, afirma.
A centenária VAA, fundada em 1824, dedica-se ao fabrico de cerâmica utilitária, de cristais e de faianças, exportando apenas 45 por cento do que produz. O principal mercado é Espanha e, nos últimos anos, tem sido feita uma aposta clara na hotelaria.