BPN e BPP: dois casos que a crise veio pôr a descoberto

Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na Bélgica, Holanda, Suécia ou Dinamarca, os bancos comerciais nacionais têm, aparentemente, estado a aguentar os fortes abanões da crise. Com carteiras expostas aos mercados, procuram agora adaptar-se às novas condições económicas de exploração (enquanto empresas), com implicações na rentabilidade e na extensão da actividade. Mas a capacidade de reacção de uma instituição é limitada e se os mercados não corrigirem não é de excluir novos problemas.

Para já, a crise revelou fraquezas em três bancos não cotados (e não sujeitos ao escrutínio sistemáticos dos mercados): o Finantia, o Banco Português de Negócios (BPN) e o Banco Privado Português (BPP). Estes dois últimos casos são distintos, tendo exigido "remédios" diferentes.

O BPN funciona no segmento de retalho com mais de 300 mil clientes, recebendo depósitos e concedendo crédito; o BPP é um banco de nicho que serve uma elite de cerca de três mil clientes. A natureza dos bloqueios é igualmente distinta. No BPN a crise teve um mérito: desvendar as insuficiências de capital geradas no passado de forma fraudulenta. O banco afundou-se, com problemas de liquidez e de capital. Na origem das dificuldades está uma gigantesca burla, levada a cabo pela gestão de Oliveira e Costa, e "cozinhada" mesmo "debaixo das barbas" das autoridades.

A assumpção do controlo do Banco Insular quando foi adquirida a Fincor (que dominava a instituição cabo-verdiana), sem autorização do Banco de Portugal (BdP), permitiu a Oliveira e Costa funcionar com um banco paralelo ao BPN e esconder em paraísos fiscais prejuízos e negócios ligados a membros dos órgãos sociais que foram ruinosos para o banco. As autoridades detectaram ainda desvios de dinheiro para contas offs-shores. Um movimento alucinante que se prolongou durante sete anos, levou à insolvência da instituição e justificou a intervenção do BdP, nacionalização do banco e prisão de Oliveira e Costa.

Jogar e perder

Por oposto ao BPN, detido por empresários de pequenas e médias empresas, o BPP conta com accionistas conhecidos como Francisco Balsemão, Stefano Saviotti, José Miguel Júdice (que é ainda presidente da assembleia geral e advogado do BPP), e Diogo Vaz Guedes.

No caso do BPP, um banco de investimento com uma base mínima de depósitos e que funciona como gestor de fortunas, a queda das bolsas acabou por mostrar que estava muito exposto aos segmentos de maior risco, o que impediu Rendeiro de honrar os compromissos. Tal como aconteceu com outros pequenos bancos internacionais com idênticas características, o BPP ficou insolvente.

Nesse sentido pode dizer-se que o BPP foi a verdadeira vítima da crise financeira. É neste contexto que, a 24 de Novembro, o seu presidente, João Rendeiro, foi ao Banco de Portugal pedir a intervenção para evitar a falência.

Neste momento João Rendeiro está a ser alvo de protestos por parte de muitos clientes, que alegam existir confusão entre o que são contratos de investimento de risco e contratos com garantia de capital e de rentabilidade, independentemente da valorização da aplicação.

Na mira da contestação está ainda a criação de veículos especiais de investimento (off-shores) ao lado do BPP, destinados a aplicar dinheiro de clientes em activos cotados. Um modelo de negócio que, em tempos de turbulência, não deu saúde à gestora de fortunas. Rendeiro convidava os seus clientes (cerca de 80 por cento eram encaminhados para "off-shores") a subscreverem a maioria das acções destas sociedades, sendo que alguns recorriam a crédito dado através do BPP (estima-se que este atinja os 300 milhões de euros). O BPP assumia uma pequena posição no capital, mas nem todas as responsabilidades aparecem reflectidas nas contas extra-patrimoniais.

Para a derrapagem do BPP poderá ter contribuído também uma inversão do modelo de actividade, baseado muito na compra e venda de activos sem preocupação de continuidade, mas apenas de rentabilidade. Enquanto seguiu este esquema, o negócio ia de vento em popa com dividendos claros para todos: accionistas e clientes.

Em 2007 João Rendeiro começa a dar sinais de querer ter posições estáveis em empresas. É neste quadro que se intromete na disputa pelo poder dentro do BCP, por via da Privado Financeiras, que adquire 2,3 por cento do capital. Contratualiza financiamento, e arrasta consigo accionistas e clientes, que se endividam para se posicionarem ao lado de Paulo Teixeira Pinto contra Jardim Gonçalves.

Os títulos são comprados em 2007 ao preço médio de 3,2 euros cada. Mas Rendeiro não segue uma estratégia de curto prazo e não os vende quando chegam a 4,7 euros uma semana antes da assembleia-geral do Verão passado. Nas listas candidatas à governação do BCP adversárias de Jardim encontram-se accionistas dos veículos criados por Rendeiro. Mas as forças que vieram de fora catalisar as hostilidades não saem vencedoras, passando então Rendeiro a apostar na fusão amigável do BCP com o BPI. Puro engano! Nessa altura já os ventos não correm de feição e os mercados estão contaminados pelo "subprime".

Em tempos de crise, o BCP será o "Vietname" de empresas (Teixeira Duarte, CGD, BPI) e de investidores (como Joe Berardo e Manuel Fino). Dado o peso elevado na carteira de activos dá-se o efeito mata-borrão. Quem lá se meteu sai ferido ou em estado de agonia. Alguns optam por vender minimizando perdas, como o BPI. Com dívidas por saldar e as acções BCP em carteira, o BPP e os seus clientes (as acções estavam nas suas carteiras) estão a perder mais de 70 por cento do valor investido (na quarta-feira o título fechou a 0,86 cêntimos).

Soluções distintas

Pela natureza das instituições e dos seus bloqueios as consequências do eventual desaparecimento do BPN e do BPP não são iguais. Para resolver problemas diferentes o Governo avançou com soluções distintas, alegando a protecção do interesse público (depositantes e sistema).

A precisar de liquidez e de capital, e sem que surgissem, a falência do BPN era o passo seguinte. Dadas as interligações complexas que o banco possui à economia real, e havendo risco sistémico, o executivo optou por nacionalizar a instituição, entregando a gestão ao banco público, a CGD, que já investiu mil milhões de euros. A CGD procura agora um comprador para a rede de retalho.

Já no caso do BPP a falência não fazia temer risco sistémico significativo e as autoridades aconselharam outro caminho. Não há nacionalização (fica nas mãos dos accionistas), nem, para já, se deixa morrer o banco, mas o BdP decide nomear uma administração provisória, liderada por Adão da Fonseca, para saldar compromissos e avaliar a verdadeira situação. Ou seja: estando lá dentro, o BdP tem melhores condições para defender o interesse geral. Mais tarde se verá se o BPP é, ou não, viável.

Neste caso, o Governo envolveu o sector bancário (CGD, BCP, BES, BPI, Totta Santander e Caixa Agrícola), que se recusara a comprar o BPP, contratualizando um empréstimo de 450 milhões de euros para salvar depósitos e pagar empréstimos, com base numa garantia do Estado sustentado em colaterais do BPP. Mas o Estado não avança directamente com liquidez, sendo que metade da verba já foi aplicada.

De certo modo pode dizer-se que existiam pontos de contacto entre o BPP e o BPN, designadamente na semântica das "off-shores" e numa certa opacidade ao nível da actividade. Adão da Fonseca espera agora pelos resultados da auditoria encomendada à Delloitte, que ainda não foi entregue, para aferir se o banco é recuperável e concluir se existem irregularidades no BPP.

Nova gestão do BPP garante capital

A administração provisória do Banco Privado Português (BPP) garante aos clientes da instituição intervencionada pelo Banco de Portugal o capital investido, mas só se estes não levantarem, antes do final dos prazos contratualizados, as aplicações que realizaram. A decisão inscreve-se no plano de salvação da instituição que está a ser preparado por Adão da Fonseca, e que tem como principal interlocutor o anterior CEO do BPP, João Rendeiro.

A actual gestão do BPP faz um apelo aos clientes para não correrem a resgatar as verbas investidas, de modo a não obrigarem o banco a vender os activos a preços de saldo. Em declarações escritas ao PÚBLICO, a instituição avisa que se o capital que está aplicado em produtos for reclamado antes do prazo o banco não terá condições para cobrir os seus compromissos. Mas salienta que se os clientes permanecerem com as aplicações até ao final das maturidades acordadas, então a gestão assegura o reembolso de todo o capital.

“Podemos esclarecer que o valor das aplicações (obrigações e derivados de obrigações) em que os clientes investiram é, na maturidade (mas só na maturidade), superior ao montante aplicado pelos clientes”, disse fonte oficial do BPP ao PÚBLICO. Da mesma forma, adianta que “só não é se as aplicações tiverem de ser vendidas já – como alguns, enganados por outros, pretendem, e dessa forma prejudicando-se a si próprios e a todos”.

Adão da Fonseca encomendou à Deloitte uma auditoria aprofundada às contas do BPP, que ainda não foi entregue, e que servirá de base para fixar o montante global investido por clientes em produtos financeiros e a quem foram dadas garantias de retorno da totalidade do capital. O relatório, admite a mesma fonte do BPP, vai identificar “o diferencial entre as responsabilidades perante os clientes derivadas da indicação de garantia de capital e o valor justo que as aplicações financeiras detidas pelos clientes a quem foi dada essa garantia”.

O BPP entende que as aplicações pertencem aos clientes, e que os problemas que surgiram foram desencadeados “por causa da garantia de capital”. A garantia de retorno de capital “é também normal, mas, perante o tsunami dos mercados financeiros, que foi totalmente inesperado”, a instituição ficou sem condições para “pagar aos clientes antes das obrigações e derivados de obrigações chegarem à sua maturidade”. O mesmo responsável explicou que o banco necessita agora de se ir financiar “para pagar aos clientes no curto prazo, pagando o banco o financiamento no longo prazo” e que sem este empréstimo os clientes “terão de ficar à espera, o que não é do interesse deles”. Advertiu ainda: “Se os clientes exigirem o pagamento já, bloqueando o BPP, terão de se contentar com o que for possível obter numa venda forçada dos títulos no mercado”. Isto, concluiu, “será um tiro nos próprios pés”.

Quando a João Rendeiro, apesar de ter abandonado no final de Novembro a presidência do BPP, após uma estratégia de investimento das verbas entregues pelos clientes sustentada nos mercados bolsistas que atirou o banco para a insolvência, manteve-se à frente da Privado Holding, sociedade não financeira que controla a totalidade do banco e de que é o maior accionista. É na qualidade de presidente da PH que Rendeiro se posiciona como uma peça importante na definição do futuro da instituição, tendo sido indicado para servir de ponte entre Adão da Fonseca e o capital do BPP.

Texto publicado no Suplemento de Economia de hoje
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