Não era tão bom que todos os professores fossem tão fixes como Rainer Wenger, que treina a equipa de polo aquático do liceu, ensina História, tem o cabelo rapado, usa blusão de cabedal e vai para o trabalho a ouvir os Ramones? Pois era. E os problemas começam aí. No âmbito dos projectos de grupo semanais do liceu onde ensina, Wenger é forçado a ensinar a autocracia em vez da anarquia.
Apanhado de surpresa por um tema de que não gosta, confrontado com o cinismo de uma turma que já deu para a culpa do Holocausto e do nazismo e que acha que a Alemanha aprendeu a lição, o professor fixe decide-se a desenvolver com a turma uma experiência laboratorial: provar que as condições ideais de temperatura e pressão permitem a re-emergência de uma ditadura, mesmo na Alemanha. E a coisa resulta para lá de todas as expectativas: a experiência laboratorial começa a ganhar uma vida própria e a transcender os limites da sala de aula. A bola de neve, alimentada pelo carisma de Wenger (uma interpretação espantosa de Jürgen Vogel, notabilíssimo actor alemão que conhecemos mal por cá) e pela leitura distorcida que alguns dos alunos fazem das ideias centrais da autocracia, ganha uma velocidade incontrolável, vai direitinha aos atavismos tribais embutidos nos genes humanos. E o que começou como um simples projecto escolar ganha contornos de tragédia anunciada: uma espécie de caixa de Pandora que se abriu a brincar, sem ter consciência das forças que se libertam e que depois não voltam a entrar lá dentro sem cobrar um preço.
Não é uma mera criação de argumentista, a autocrática experiência teve realmente lugar - só que em 1967, num liceu californiano. "A Onda" pega no protocolo original do professor Ron Jones (e na sua recriação num telefilme americano de 1981) e ficciona-o na Alemanha contemporânea - o que eleva a premissa de intrigante a explosiva. Dennis Gansel assume a especificidade nacional que empresta a densidade necessária à história, ao mesmo tempo que a universaliza através de uma apropriação inteligente dos códigos do filme de liceu, desenhando paralelos entre as regras comunitárias impostas na ditadura simulada de Wenger e o próprio funcionamento das cliques e grupinhos de liceu. Gansel filma com uma energia e um ritmo que quase se diriam adolescentes, captando na perfeição o entusiasmo que vai crescendo, como uma (lá está) onda de adrenalina que começa a percorrer a turma e "acorda" alunos até aí desinteressados ou isolados.
Não é descabido que seja também essa a ideia subjacente - usar esse entusiasmo para captar espectadores para um filme que, no papel, seria um pouco seco; e, de facto, "A Onda" tem sido acusado de excessivo didactismo. Sim, é verdade, esse didactismo está presente, mas está muito longe de ser metido a martelo ou enfiado pela boca, porque é precisamente esse o tema e o método do filme - o modo como nos deixamos levar sem darmos por isso. Dennis Gansel torna um filme que podia ser de tese numa montanha russa engenhosamente desenhada, trata os seus espectadores como os alunos de Wenger - sedu-los primeiro para depois lhes explicar, em inteira lealdade, como foram manipulados, espelhando na perfeição o próprio desenvolvimento da experiência de Ron Jones.
No fundo, no fundo, a turma de Wenger podemos ser (somos?) nós todos.