Fatih Akin tem um hífen na identidade

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Fatih revê-se na ambivalência, usa-a com proveito. Definitivamente: como chamá-lo?
"Não me interessa o que sou", responde ao Ípsilon. "Reajo consoante a situação. Durante o Europeu de futebol, por exemplo, quando a Alemanha jogou contra a Turquia eu era pela Turquia. Mas quando a Alemanha jogou contra Portugal, eu fui pela Alemanha." E completa: "Quando os meus pais vieram para a Alemanha, eram considerados trabalhadores imigrantes, eram 'convidados'. As pessoas não os consideravam alemães. Agora sim, são considerados alemães. Há uma forma mais relaxada de os alemães tratarem os imigrantes. Estão a fazer o melhor que podem. Na América isso não aconteceria, seríamos sempre considerados convidados."

Em trânsito

Isto serve como introdução ao tema "globalização" e à condição de Fatih Akin, realizador/argumentista que está, ele assume-o, nas seis personagens que escreveu para "Do Outro Lado": um pai, um filho, uma prostituta, uma activista política (turcos), uma mãe, uma estudante lésbica (alemãs), que se encontram e - com consequências cinematográficas mais relevantes - se desencontram no trânsito entre o centro da Europa e os seus confins. Ou seja, entre Bremen e Istambul. "São todas personagens baseadas na minha biografia, nas minhas experiências, nos meus desejos", diz.

Mas não se diga a Fatih Akin que são personagens à procura das "raízes". "Isto não tem a ver com Kunta Kinte, isto não é 'Raízes' [personagem e série de TV, do final dos anos 1970, baseada no romance de Alex Haley]. Eu diria que as personagens estão à procura de uma paz interior. Por causa da globalização, as pessoas hoje falam muito do desejo de regressar às suas origens. Isso pode transformar-se em algo próximo do chauvinismo - vê-se isso nos jogos de futebol. Não gosto disso. Não preciso de acontecimentos desportivos para expressar os meus sentimentos de pertença. Nasci na Alemanha e cresci com pessoas de todo o mundo. Isso foi uma dádiva. Não teria sido assim se tivesse nascido em outro lugar. Fazermos as nossas escolhas pela nacionalidade é um sinal de fraqueza. Estou na casa dos 30 anos, muitas pessoas da minha idade, amigos incluídos, lutam de forma apaixonada contra a globalização. Eu faço filmes, não me ponho aos berros contra a polícia. Não sou contra a globalização, ser contra a globalização é como ser contra as leis de Newton. Há muitos aspectos positivos na globalização."

Confere que existe algo a que podemos chamar apaziguamento ou aceitação - para além dos episódios de turbulência e morte que sacodem estas vidas - na condição caótica e contraditória das personagens que estão em trânsito em "Do Outro Lado". São figuras que transportam uma identidade que nem um hífen pode resumir: uma jovem turca, membro de um grupo radical anti-globalização, refugia-se na Alemanha onde a mãe trabalha como prostituta - ela não o sabe, pensa que a mãe trabalha numa sapataria. Nunca chega a encontrá-la, mas encontra uma rapariga alemã que se apaixona pelo seu fervor revolucionário (e a turca apaixona-se pela paixão da alemã) e cuja mãe é interpretada por Hannah Schygulla ("musa" de Fassbinder).

Mas entretanto, antes disso, ao mesmo tempo que isso...

A prostituta, identificada por fundamentalistas islâmicos, é obrigada a abandonar o "red light district" de Bremen onde trabalha e a aceitar a proposta de casa, mesa, roupa lavada e mais alguma coisa de um velho imigrante turco (interpretado por Tuncel Kurtiz, em tempos actor de um "clássico" da cinematografia turca, o realizador Yilmaz Guney), cujo filho é professor de Literatura Alemã - se Fatih é todas as personagens, ele é especialmente este turco de segunda geração na Alemanha, especialista em Goethe.

O realizador enche-se de subtilezas em "Do Outro Lado", o que é uma surpresa tendo em conta o som e a fúria do anterior filme, "A Esposa Turca". Refreia-se, escolhe a lentidão, concentra-se no legado que uma personagem passa a outra - é a morte de alguém que desencadeia a(s) narrativa(s) -, interessa-lhe o trânsito mais do que os lugares. Que se equivalem, Bremen ou Istambul, sem exotismos. "Sim, para mim, os espaços têm a ver com as pessoas."
Quanto à morte... digamos que em "Do Outro Lado" ela é um princípio regenerador da narrativa. "Quando chegamos aos 30 anos, começamos a pensar que a morte faz parte da vida, que é uma coisa mais determinante filosoficamente - por isso até há quem se torne religioso. É o mesmo em todas as culturas. Quis fazer um filme positivo, sobre a vida. A morte é parte da vida. É a regra. E em termos de construção do filme foi na montagem que decidi, não estava no argumento, que seriam as mortes das personagens a dar origem à narrativa que se seguia. Escolhi um ritmo lento, precisava de um certo efeito de suspense, um efeito hithcockiano", por isso estas mortes são anunciadas no ecrã em fundo negro.


Fassbinder ou não

Fatih Akim chegou ao cinema através da actividade como actor. A cinefilia não foi educada em escola de cinema, foi feita à imagem da sua identidade: sem hierarquia, porque o cinema é tão "vasto, tão 'world-wide'", porque o DVD anula as fronteiras entre passado e presente. "Não posso dizer que tenha sido fã da 'nouvelle vague' ou do neo-realismo'." Essas descobertas chegaram tarde. "Vi muitos filmes turcos e muitos filmes de Spielberg. O cinema que descobri nos anos 1980 foi o cinema 'entertainment'; o cinema de 'arte e ensaio' só o descobri aos 16 anos, Bergman, Woody Allen, Coppola." E "Rocky" e "Taxi Driver", de Scorsese, a primeira vez que percebeu havia um cineasta atrás de um filme. Recentemente, quando se preparava para "Do Outro Lado", descobriu Griffith e Bresson.

Tanto é posto ao lado de Tom Tykwer ("Corre, Lola Corre"), o seu colega alemão fascinado pelo maquinismo industrial, como há quem encontre uma genealogia "fassbinderiana" na sua leitura da sociedade alemã de hoje. Há quem parta do pressuposto, em artigos inteiros, que "A Esposa Turca" e "Do Outro Lado" fazem parte de uma trilogia com que Akin responderia, à sua maneira, a uma trilogia de Fassbinder ("O Casamento de Maria Braun", "Lola", "A Saudade de Veronika Voss"). A escolha de Shygulla para o papel de mãe em "Do Outro Lado" confirmá-lo-ia. Essa trilogia, diz-nos Akin, a "Love, Death and the Devil Trilogy", por agora até está interrompida. Provavelmente nunca se completará. O realizador anda ocupado com um documentário sobre o tratamento de lixo em Istambul. Mas para além disso, "não há um 'link' muito óbvio", assume, com Fassbinder. Gosta muito de algumas coisas dessa obra, como "O Medo Come a Alma" ou "O Casamento de Maria Braun", mas não gosta dos filmes do princípio - o que não é nada "fassbinderiano", aliás.

"Ele é muito formalista, e eu não sou nada, não vejo onde é que está a razão para as comparações. É claro que ele foi o realizador alemão mais importante de todos os tempos, depois daqueles que fugiram para Hollywood. Mas não posso dizer que seja o meu mestre."

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