Amália, dramalhão televisivo

Há um grande filme escondido por entre a vida de Amália Rodrigues - mas não é este, tal como a sua matriz (assumida pelo produtor Manuel S. Fonseca), "La Vie en Rose", também não era o grande filme que Edith Piaf merecia. Tal como o filme de Olivier Dahan que deu o Oscar a Marion Cotillard, também "Amália" se articula à volta de um flashback (aqui, Amália já idosa, em Nova Iorque a fazer exames médicos, a recordar a sua vida) e flutua entre presente e passado para contar a sua vida. O problema de "Amália" não são as liberdades que se tomam com a história da vida da fadista e que inclusive levaram familiares a colocar uma providência cautelar (que o tribunal descartou) - muitos "biopics" mais ou menos célebres também o fazem e não são piores filmes por isso.

O problema de "Amália" também não é que o realizador Carlos Coelho da Silva (autor do mui badalado "Crime do Padre Amaro", 2005) tenha feito um melodrama de luxo de fazer chorar as pedrinhas da calçada - afinal, é uma vida que se presta na perfeição a um melodrama de luxo. O problema, na realidade, são dois. E são muito mais graves do que os acima expostos. O primeiro é que ao guião de Pedro Marta Santos e João Tordo falta tudo, a começar por espessura - as personagens são reduzidas a "bonecos" bidimensionais que nunca têm tempo nem espaço para se imporem como gente.

Estrutura é coisa que também não há: o filme resume-se a uma sucessão de episódios biográficos que nunca formam uma história coerente nem conseguem integrar a contento a música - quem esperar perceber porque é que Amália foi a cantora que foi pode tirar o cavalinho da chuva. Não é a música que aqui interessa, subordinada à imagem de uma Amália perseguida pela infelicidade romântica, que é cantora como podia ser banqueira ou actriz ou escritora.

Tudo isso, contudo, é de somenos face à mais perturbante constatação de "Amália": a de que aqui não há cinema, apenas um produto audiovisual filmado sem imaginação, narrativa e visualmente formatado à medida da actual ficção portuguesa televisiva. O bom esforço de ambientação de época é desfeito pela fotografia artificial digna de uma telenovela (as cenas de praia são gritantemente falsas) e pela completa ausência de credibilidade da sonoplastia, o grosso da realização é feita em campos-contra-campos em plano fechado, entrecortados a espaços por movimentos de grua espectaculares que parecem vindos de um outro filme, à procura de uma grandiosidade que o traço grosso da banda-sonora bombástica e do guião aos solavancos transforma em pretensiosismo de pechisbeque novorico, que em nada dignifica a entrega de Sandra Barata Belo, uma Amália impecável a quem o filme não pede, infelizmente, mais do que um mero exercício de mimetismo.

Tudo o resto podia ser menos preocupante se houvesse uma centelha de cinema que fosse em "Amália" - e porque não há, isso torna tudo muito pior. Esta "Amália" de telenovela não faz justiça à figura.

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