Lee Kang-sheng e Tsai Ming-liang: o aluno e o mestre

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À primeira vista, "Help me Eros" (2007), segunda longa-metragem de Lee Kang-sheng, parece mostrar um universo "in progress", não suficientemente definido, algo que se parece com outra coisa mais do que consigo mesma.

Lee Kang-sheng é o actor dos filmes de Tsai Ming-liang. É o corpo que o cineasta malaio segue desde 1991, ano de uma curta, quando descobriu na rua o filho de uma família pobre. Seguiu-se a primeira longa, "Rebels of the Neon God", e a partir daí a relação na vida e no cinema entre os dois como que vem actualizando e prolongando uma outra, a de François Truffaut (realizador), Jean-Pierre Léaud (actor), Antoine Doinel (personagem) - é sempre esse o modelo de que se fala, vício de cinefilia, mas calha bem porque Truffaut faz parte da aprendizagem de espectador de Tsai.

O realizador diz que não consegue filmar sem o seu actor. Este, apesar de tudo, tem filmado com outros, e começou mesmo a realizar os seus filmes. Primeiro "The Missing" (2003), agora "Help me Eros", deriva pela alienação urbana numa Taipé que parece a cidade dos que chegaram à condição de fantasmas. Lee Kang-sheng fala de catarse: o erotómano à beira do suicídio que interpreta no seu filme, dependente das linhas telefónicas de ajuda e de múltiplas posições sexuais, é, segundo ele, um retrato de um período da sua vida. São os seus fantasmas. Mas, é incontornável: são também os fantasmas do seu mentor, Tsai Ming-liang - mesmo se Lee Kang-sheng segue uma via de explicitação (no romantismo desesperado, na figuração sexual) que até agora não vimos em Tsai Ming-liang, que leva as coisas junto às fronteiras do burlesco. Até o belíssimo "The Missing" - há um plano sequência estarrecedor, vinte e tal minutos com uma avó a endoidecer à procura do neto pela cidade - é um filme de um discípulo de Tsai. Cá está. Mas sem dramas: Tsai Ming-liang protege estes filmes como produtor executivo, Lee Kang-sheng agradece, nas entrevistas, e diz que espera um dia ver o seu trabalho reconhecido para além da influência de Tsai.

Não vamos simplificar as coisas, no entanto. Afinal, por alguma razão Tsai Ming-liang não larga, nos seus filmes, esse corpo passivo que é o de Lee Kang-sheng. Alguma coisa em Tsai Ming-liang é também de Lee Kang-sheng? É verdade: há filmes de Tsai que se apoiam em episódios da vida do seu actor. Há quem se pergunte por isso se os filmes de um não serão forçosamente os filmes de outro. O jornalista alemão, e programador de filmes, Volker Hummel, numa entrevista que fez a Lee Khang-sheng para a revista "on-line" "Senses of Cinema", pergunta se não será ele próprio, Lee Kang-sheng, o "inventor do estilo Tsai". E Lee Kang-sheng, humildemente, sai-se com esta: no início, nos filmes que fez para TV, o trabalho de Tsai Ming-liang era mais rápido; só depois, depois de "Vive l'Amour" (1994), o ritmo abrandou, a narrativa tornou-se rarefeita. "Acho que esta mudança, esta lentidão, tem alguma coisa a ver com a minha influência. Lembro-me da primeira vez que trabalhámos juntos. Nos primeiros dois dias não houve problemas, mas o terceiro foi difícil. Havia um único movimento a fazer, eu tinha de virar a cabeça e olhar numa direcção. Já tinha feito isso quatro ou cinco vezes, mas ele disse que tinha que ser tudo repetido. Disse: 'Lee Kang-sheng, não podes ser um bocado mais natural no movimento?". Lee Kang-sheng respondeu que era assim que ele era, "naturalmente". É assim que é, hoje naturalmente, o cinema de Tsai Ming-liang.

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