Mas mais do que o elenco, é estranha a co-autoria do argumento: Edward Norton (sob pseudónimo). Ora se Norton, que nunca andou a brincar aos "blockbusters", investe assim num projecto tão estranho ao que têm sido as suas "opções decarreira", podemos supor que haja aqui alguma coisa de pessoal.
Não será uma suposição errónea. Norton, uma das mais interessantes figuras do actual cinema americano, é alguém com quem se pode fazer "política de actores". O seu Bruce Banner tem várias características deoutras personagens suas - o lado sacrificial como já dissemos, um sofrimento assente na privação e narenúncia, mas também a duplicidade e a ambivalência(Banner/Hulk são Jekyll e Hyde) e uma espécie de contacto com zonas nebulosas da ética ou da moral, que por sua vez propiciam o sacrifício como caminho da redenção individual. É a história deste Banner,que encontramos ao princípio numa favela do Rio de Janeiro, escondido, é certo, mas também em autopunição. Como com todos os heróis da Marvel, sobre Banner/Hulk pesa a tentação do fascismo, ou por outra, de um uso fascista do seu poder (é,normalmente, o que separa os heróis dos vilões). É quase como se Banner expiasse essa tentaçãodurante a primeira meia-hora do filme, a mais interessante, e a expiasse junto dos pobres: nasfavelas do Rio, na Guatemala, em Chiapas (no México). Nesta lógica, não surpreende que o momento em que Banner, finalmente, aceita o seu poder, corresponda ainda a um sacrifício, a uma reparação e a uma entrega (assim encontrando outra característica sumamente "Marveliana", o fatalismo).
Dirão que deliramos, mas o filme não dá muito mais razões para delirar além destas. E se a presença de Norton oferece alguma intensidade à personagem deBanner, nem por isso torna o filme melhor do que é: um empreendimento rotineiro, com todos os tiques habituais do "espectáculo", e um climax (mais um combate entre duas criaturas de existência puramente digital) bastante maçador. A cena final promete sequela.