Convento de Brancanes avaliado por Defesa em 1,5 milhões a mais que valor da venda
A avaliação feita em 1997 não tinha em conta a eventualidade de ali virem a ser erguidas novas construções, enquanto as duas avaliações feitas em 2006 (e que apontam para valores próximos daquele pelo qual a propriedade foi vendida) pressupunham a construção de um hotel de cinco estrelas e mais 33 moradias ou, em alternativa, 48 moradias e apartamentos.
O Ministério das Finanças recusa-se a identificar os responsáveis pelas últimas avaliações.
Cedido pelo Ministério da Defesa ao da Justiça em 1998, mediante o pagamento de quatro milhões de euros, o antigo convento passou a servir de prisão. O estabelecimento prisional foi extinto em 2007, e o imóvel foi entregue à Estamo, imobiliária do Estado, que de imediato o pôs à venda.
O valor de 3,4 milhões de euros pelo qual esta empresa tutelada pelo Ministério das Finanças o vendeu à Diraniproject III - empresa cujo capital estava quase integralmente nas mãos de António Lamego, antigo sócio do actual ministro da Justiça, Alberto Costa - ficou 600 mil euros abaixo daquele que o Ministério da Justiça tinha pago por ele nove anos antes.
Quando o PÚBLICO divulgou, a 10 de Janeiro, a notícia desta desvalorização do convento e dos mais de 46.000 m2 de terreno que o rodeiam à entrada de Setúbal, os ministérios das Finanças e da Justiça divulgaram um comunicado conjunto onde sustentavam que o valor pago pela Justiça corresponde a "uma operação estritamente orçamental e interna à administração pública", valor que "não é comparável" à venda agora efectuada pelo Estado com base "em valores de mercado previamente validados mediante avaliações promovidas para o efeito".
O processo de reafectação do imóvel ao Ministério da Justiça mostra, porém, que o montante daquela "operação estritamente orçamental" foi objecto de intenso regateio entre os dois ministérios e que assenta numa avaliação que atribuiu ao convento um valor de 4,9 milhões de euros.
Subscrita em Março de 1997 por um tenente-coronel de engenharia da Direcção-Geral de Infra-Estruturas do Ministério da Defesa, a avaliação em causa limitou-se aos terrenos e às construções existentes, não considerando a hipótese, que o actual Plano Director Municipal (PDM) exclui, de vir a ser possível urbanizá-los \u2013 circunstância em que o seu valor seria muito superior.
Face ao montante proposto, o Ministério da Justiça pediu uma reapreciação do assunto, acedendo a Defesa a baixar o valor a pagar para quatro milhões de euros. O então ministro da Justiça, Vera Jardim, ainda insistiu numa segunda redução, para 3,5 milhões de euros, mas a Defesa não cedeu.
No Verão de 2006, quase um ano antes de se tornar dona do convento, a Estamo pediu duas avaliações da propriedade, na perspectiva de a vender a privados, como era intenção do Ministério das Finanças. Efectuadas por entidades que a empresa e a tutela se recusam a revelar, alegando "segredo comercial", as duas avaliações apontam, respectivamente, para 3,2 e 3,3 milhões de euros, ligeiramente menos que os 3,4 pagos no ano seguinte pela Diraniproject III.
Uma destas últimas avaliações, contudo, parte do princípio de que será possível transformar o convento setecentista num condomínio com 21 apartamentos, construindo-se de raiz mais 48 moradias. Já a outra aponta para transformação do convento num hotel de cinco estrelas e para a construção de mais 33 moradias, com uma área construída total de 9100 m2.
Na posse destas duas avaliações, a Estamo subiu a fasquia. Em Maio de 2007, pediu à Câmara de Setúbal que incluísse na revisão do PDM, actualmente em curso, a possibilidade de transformar o convento num hotel ou numa unidade de saúde e de erguer 14.500 m2 de novas construções.
Estamo quer contruir mais
A ser aceite esta proposta, a propriedade ficará fortemente valorizada em relação às duas avaliações que validaram a sua venda, uma vez que permitirá construir mais 60 por cento do que aquilo que elas admitiram. A informação depois disponibilizada aos potenciais interessados na compra não contemplou o pedido feito à Câmara de Setúbal. De acordo com a documentação cuja consulta a empresa facultou ao PÚBLICO na semana passada, houve dez propostas de aquisição, mas só sete satisfaziam os requisitos do anúncio de venda.
Do processo consta uma acta da Comissão de Abertura e Análise de Propostas, com a lista dos concorrentes e preços propostos, mas não há lá qualquer relatório de avaliação ou proposta de adjudicação. Além dos nomes das entidades avaliadoras, a administração da Estamo apagou dos documentos disponibilizados todas as referências que pudessem identificar os concorrentes.