O lixo electrónico em Portugal
Luís Lucas, responsável pelo departamento de ambiente da organização não governamental AMI (Assistência Médica Internacional), calcula que todos os anos deixam de ser usados dois milhões de telefones móveis em Portugal.
Não faltam razões de alarme para as organizações ambientalistas, que vêem este lixo electrónico crescer de dia para dia. "Estes equipamentos, que à partida seriam apenas para comunicar, ficam rapidamente desactualizados", critica Pedro Carteiro, da Quercus, que sublinha "a grande pressão [social] que as pessoas sentem para adquirir um novo aparelho".
E o que é que sucede aos telemóveis que já não desejamos? Thierry Van Kerckhoven, gestor da área de lixo electrónico na empresa belga Umicore Precious Metals Refining, calcula que apenas um por cento das 500 toneladas de telemóveis que, no ano passado, se tornaram obsoletos em todo o mundo, foram parar a empresas como a sua.
Isto acontece, em primeiro lugar, porque os telemóveis sãoo bem mais fáceis de guardar numa gaveta do que um ecrã de computador ou um velho frigorífico: "Os telemóveis não ocupam muito espaço; confesso que eu próprio tenho um perdido lá por casa", disse Van Kerckhoven ao Digital.
Em Portugal não há dados disponíveis, mas no Reino Unido estima-se que haja 11 mil toneladas de telefones móveis "adormecidos" em lares britânicos.
Ouro, prata e paládioQuanto à pequena quantidade que segue a via da reciclagem, uma parte dos materiais volta a integrar os ciclos produtivos, transforma-se e dá origem a outros objectos.
É este o caso dos metais nobres presentes nas pequenas placas de circuitos, que são extraídos por empresas como a Umicore Precious Metals Refining, que os apura em enormes fornalhas. As placas dos telemóveis são todavia "uma parte muito marginal" dos materiais recebidos, que também incluem televisões e computadores, explica Van Kerckhoven.
Prata, ouro, paládio (da família da platina), cobre, chumbo, estanho ou antimónio são alguns dos 17 metais nobres que podem ser recolhidos a partir de uma placa de circuitos. O passo seguinte é vender alguns destes metais a outras empresas (incluindo algumas que pertencem ao mesmo grupo e que fabricam objectos metálicos, ou a fabricantes de telemóveis).
Outros, como o ouro e a prata, vão parar aos mercados internacionais. Os metais nobres valem em média 50 cêntimos por telemóvel, calcula por seu turno Luís Lucas, da AMI.
Outra hipótese passa pela recuperação e revenda, a chamada reutilização. Muitos telefones vão assim parar aos mercados de países em vias de desenvolvimento. Mas também há várias lojas portuguesas a apostar no mercado dos aparelhos em segunda mão.
É o caso da PT Telemóveis (que não tem nenhuma ligação ao grupo PT), uma pequena empresa que vende na Internet aparelhos das três operadoras portuguesas e que aceita telemóveis usados como forma de estimular as vendas dos novos modelos. "O mercado está repleto de telefones e, muitas vezes, para conseguirmos vender um telefone novo e ganhar comissões das operadoras, somos obrigados a aceitar as retomas", explica o gestor da empresa, Filipe Duarte.
Aceitar uma retoma, contudo, "é sempre um risco". O mercado dos aparelhos em segunda mão não é significativo e a PT Telemóveis vende 20 a 30 destas unidades por mês. "Regra geral, a procura não é muito grande, pois as pessoas preferem comprar novo e as operadoras estão sempre a fazer grandes baixas de preços para angariar clientes".
A TMN, Vodafone e Optimus oferecem 10 euros por cada telemóvel entregue em troca de um novo - mas também aceitam aparelhos puramente para reciclagem, que já estejam em fim de vida.
Se estiverem ainda funcionais, são revendidos a empresas europeias que funcionam como intermediárias para outros mercados em África, Ásia e na Europa de Leste. A britânica Greener Solutions, por exemplo, é citada como parceira europeia no negócio de revenda pelo blogue oficial da TMN.
Reciclagem é "parente pobre"Contas feitas, entre Abril de 2006 e Março de 2007, a Vodafone recolheu 271 mil telefones móveis, 209 mil acessórios e 96 mil baterias (38 toneladas no total).
Este operador tem na sua rede mais de 300 pontos de recolha de equipamentos móveis "antigos e sem uso", incluindo baterias, que vão parar às empresas de reciclagem. Quanto ao programa de retomas, está disponível em 450 lojas.
Já a Optimus, durante o ano passado, recolheu um total de 97 mil telemóveis. A TMN escusou-se a especificar números, indicando apenas que equivaleram a mais de 20 por cento dos aparelhos comercializados.
Ir parar à mão de novos utilizadores em África ou na Ásia acaba por ser "muito melhor" do que a reciclagem, que "é uma espécie de parente pobre" neste circuito, defende Pedro Carteiro, da Quercus.
E acrescenta que há ainda muitos telemóveis e outros lixos electrónicos que em Portugal "vão parar a sucateiros sem qualquer tipo de licença", em vez de serem direccionados para empresas certificadas.
"Aproveitar esses equipamentos usados é muito melhor do que estar a fabricar igualmente telemóveis novos, que iriam alimentar na mesma os mercados desses países em desenvolvimento", salienta o ambientalista português.
Reutilizar? "Um tiro no pé"Nada disso, insurge-se Bruno Vidal, director-geral de uma das empresas portuguesas especializadas na reciclagem de lixo electrónico (que no sector se designa por resíduos eléctricos e electrónicos), a Interecycling. "Um telemóvel reutilizado vai durar metade do tempo do que dura um novo e vai fazer o dobro do lixo nos países em desenvolvimento", frisa.
Para Vidal, a "proliferação" de entidades portuguesas que recolhem telemóveis para serem reutilizados - como por exemplo a AMI - é equivalente "a dar um tiro no pé".
"Vão parar a África ou à Índia e Paquistão, onde são amontoados ou incinerados a céu aberto e fazem contaminação; põem as pessoas doentes devido a materiais como o mercúrio", sublinha. E nota que, nestes países, os processos de reciclagem e aproveitamento de materiais são feitos sem qualquer controlo ambiental. Com efeito, as toneladas de lixo electrónico exportadas para o hemisfério Sul são uma das grandes preocupações ambientais do mundo actual.
No caso da Interecycling, a quantidade de equipamentos de comunicações móveis que ali chegaram para ser reciclados - uma "gota de água" no volume global trabalhado pela empresa - foi crescendo desde 2001, quando se deu o início de actividade, até às 30 a 35 toneladas recolhidas em 2004.
Desde então, diminuiu para apenas uma dezena de toneladas recebidas no ano passado, o que o director-geral atribui ao peso crescente da recolha para reutilização. "Um telemóvel em segunda mão em África tem um valor apetecível, ganha-se muito dinheiro", sustenta, acrescentando que os operadores móveis "deveriam ter consciência" nestas matérias.
Vidal admite que a reciclagem em Portugal "ainda está a anos luz de outros países na Europa", onde esta actividade vai servir de "fonte de matérias primas para a indústria europeia".
Como se recicla um telemóvelEmpresas portuguesas como a Interecycling ou a 2ndmarket, concorrentes na reciclagem de lixo electrónico - uma das obrigações no tratamento de resíduos em toda a União Europeia - encarregam-se de fazer um "trabalho de sapa": os trabalhadores desmantelam manualmente os telemóveis em diferentes fracções e cada uma segue depois o seu caminho.
Assim, as baterias, que contêm materiais nocivos como o litium e o chumbo, são enviadas para a Ecopilhas, entidade portuguesa especializada na gestão destes resíduos. Mas enquanto não é atingida uma quantidade razoável, podem igualmente ficar armazenadas, como faz a 2ndmarket, descreve Luís Sá, responsável pela área comercial e técnica desta empresa com instalações em Rio Meão e em Canas de Senhorim.
O mesmo sucede aos cristais líquidos dos visores, igualmente perigosos porque contêm mercúrio. Vão sendo acumulados para justificar o custo de transporte, refere Luís Sá. Ou então viajam para fora de Portugal, para empresas onde são processados para serem "inertizados", adianta por seu turno Bruno Vidal, director da Interecycling.
Já a fracção plástica dos telemóveis pode ir para retomadores portugueses de resíduos que lidam com a reciclagem de plásticos, que por sua vez redireccionam uma parte para unidades mais pequenas, numa espécie de "efeito de escadinha".
Ou, então, tem como destino "empresas consumidoras de polímeros", algumas nacionais, que aproveitam o material para fabricar cabides, vasos, capacetes e outros objectos. "Tudo depende da qualidade e da pureza do plástico; com uma elevada pureza, tem-se um elevado valor", diz Luís Sá.
Quanto à extracção dos metais preciosos contidos nas placas de circuitos, essa é uma tarefa para empresas europeias exteriores à Península Ibérica, como é o caso da belga Umicore Precious Metals Refining. "Estas entidades precisam de quantidades abissais [de circuitos], porque têm uma capacidade enorme instalada; é uma questão de sinergias", destaca Vidal.