Ao longo de dois anos chegou a especular-se que "O Assassínio..." era um filme com problemas; que Pitt não reconhecia autoridade aos talentos do realizador Andrew Dominik; que nunca o filme veria a luz do dia.Mas viu, e o produtor ("Devo ter visto este filme mais vezes do que qualquer outro em toda a minha vida") está orgulhoso, e desmente qualquer braço de ferro entre ele o cineasta. Para todos os efeitos, então, imprima-se: "É um filme delicioso que precisou de pousar e respirar como um bom vinho. São assim as minhas histórias favoritas".
Antes de prosseguir, deve-se fazer ressaltar como Pitt aparece agora, aos 43 anos, mais à vontade na sua pele de vedeta e mais articulado na sua função de produtor. Como se tivesse encontrado uma direcção. Ele deixa entender que o facto de ser pai de quatro filhos tem alguma coisa a ver com o assunto: obriga-o a um maior exercício de concentração porque as janelas de trabalho estão abertas menos tempo. "Na verdade, tornei-me mais eficiente, isso satisfaz-me", reconhece. Angelina Jolie tem que ser chamada também para o caso: revelou o político Pitt que existe em Brad, ensinou-o a lidar com a imprensa, trouxe-o para causas humanitárias. (Foi ela que o disse: em casa só discutem quando discutem política.)
E assim, em Setembro de 2007, Brad Pitt deixou o Festival de Veneza com um certificado de garantia artística nas mãos (um prémio de interpretação). E, com o prestígio de "O Assassínio...", uma autoridade encontrada para as suas funções de produtor. "Meti-me na produção para poder fazer parte das histórias para as quais eu não seria indicado como actor. Meti-me nisso depois de ver como os projectos podem descarrilar e de pensar que talvez eu possa ajudar em algo, talvez possa dar algum apoio a realizadores com quem quero trabalhar. O nosso lema tem sido só grandes contadores de histórias e grandes histórias e isso tem sido muito compensador", diz o produtor de "Tróia", "Um Coração Poderoso" e dos futuros "Shantaram", de Mira Nair, com Johnny Depp (sobre a vida aventurosa de um heroinómano australiano, Gregory David Roberts) ou "The Time Traveler"s Wife", de Robert Schwentke, com Eric Bana.
Todo o homem mata aquilo que amaPara já, a adaptação do romance de Ron Hansen, "O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford", é o ponto alto dos feitos de Pitt como produtor (além do facto de o prémio de interpretação lhe ter trazido um reconhecimento que é sempre ambicionado, mesmo quando se é o exemplar masculino mais sexy à face da terra). A história segue os últimos sete meses, em 1882, da vida de Jesse James, quando já era puro mito, quando já era impossível distinguir entre o assassino brutal e frio, o Robin Hood americano (defensor dos pobres) ou a "casualty" da Guerra Civil Americana que vingava a sua frustração e derrota. Assaltado pela paranóia (ou pelo desejo?) de que alguém o queria matar, James (Pitt) entrega-se ao seu destino, ao traidor Robert Ford (Casey Affleck), um dos membros do seu "gang". Como Jesus se entregou a Judas - sim, a história tem contornos crísticos. Ou como uma história de fascínio e contornos homoeróticos: a um dado momento, no livro e no filme, James pergunta a Ford, que era corroído por uma obsessão pelo seu ídolo: "Queres ser como eu ou queres ser eu?" O que quer que fosse, Ford matou James e foi como se o tivesse para si. "Each man kills the things he loves", portanto. Ford teve os seus 15 minutos de fama, e a fama foi-lhe, por sua vez, fatal.
Muito se falou em Veneza, depois de se ver Pitt no filme, tão hierático, tão sacrificialmente à espera do tiro de misericórdia, como uma meditação elegíaca da estrela Pitt sobre a sua própria fama - toques de Terrence Malick aqui e ali, de Peckinpah ou do Michael Cimino de "Heaven"s Gate"... "Não quero ir por aí, nem acho que seja essa a questão principal, embora compreenda perfeitamente a sensação de Jesse James de ter gente atrás dele para o apanhar. No meu caso, felizmente, ninguém me aponta armas", ri-se. "No filme, Jesse James é apanhado, obviamente, pela sua própria celebridade. Era alguém cansado do seu próprio mito de fora da lei. Robert Ford mostra outro lado da celebridade, com o seu desejo cego de fama sem realmente compreender as consequências."
Pitt considera o filme mais um drama psicológico do que um "western" - aliás, como outros títulos dos anos 1970 que chegaram vestidos com a capa de "western", quando o "western" já fora declarado morto, mas que, no fundo, apenas aproveitavam o valor simbólico de território mítico para melhor libertarem os fantasmas americanos. Foi ele que escolheu Andrew Dominik como realizador, depois de ter visto "Chopper", com Eric Banna, outra história de um homem que é procurado. "Quando vi "Chopper" fiquei siderado. Andrew entende muito bem aquilo que se passa nas profundezas do ser humano que faz com que as pessoas se comportem da forma que se comportam e de forma que nem sempre faz sentido. E, através do longo processo que foi fazer este filme, ele manteve-se fiel à sua visão."
Dominik corroboraria as declarações de Pitt: aquele que foi assistente de Mallick em "O Novo Mundo" disse, numa entrevista ao "Washington Post", que lhe interessaram menos as regras do "western" do que "as relações das personagens consigo mesmas. James é um homem que quer morrer, por isso está interessado em coisas de outro mundo. Sabe que não vai acabar bem, por isso a questão é: "Como é que uma pessoa lida com isso?" E esse era o aspecto essencial da personagem em que eu estava interessado. E quanto a Robert Ford, ele é uma pessoa ferida que imagina: se fosse Jesse James isso seria um escudo protector. Ele passou pelo pior que se possa imaginar - estava numa situação em que tinha de matar alguém pela qual tinha sentimentos conflituosos, de amor e de ódio". Como "vender" um filme assim, que é um "western" mas não é um "western", porque são apenas os fantasmas do género; que é um duelo freudiano mas também se instala, e se deleita, numa espécie de suspensão elegíaca...? "A minha decisão de pegar num filme não é calculada em função do seu potencial sucesso." Quem fala assim é o produtor Pitt. "O sucesso, na verdade, é um jogo de sorte. Eu não vou por aí, eu vou pela história, por aquilo que ela me diz, e, mais importante do que isso, pelas pessoas que me rodeiam. Não penso sequer em chegar a um público mais alargado. Eu tenho a crença profunda que todos os bons filmes hão-de encontrar um tempo e um lugar, se não for no fim-de-semana de estreia há-de ser mais tarde. Foi isso o que aconteceu a alguns dos meus filmes favoritos que talvez se possam aproximar deste em termos de ritmo - "Pat Garret & Billy the Kid" [Sam Peckinpah], "A Noite Fez-se para Amar" [Robert Altman], "Dias do Paraíso" [Terrence Malick]. Descobri esses filmes 10 ou 20 anos depois de eles terem sido estreados. A minha preocupação principal é a qualidade. É tão simples quanto isso."