Ao contrário do que a maior parte das experiências têm dado a entender, é possível fazer-se cinemafantástico interessante a partir de um jogo vídeo - na condição de apenas se perder o tempo suficientea explicar o que tem mesmo de ser explicado e de não se querer agradar a gregos e troianos. Desengane-se,então, quem vier a "A Maldição do Vale", adaptação da aclamada série de jogos de horror "Silent Hill", àprocura de sustos chapa-quatro todos os dez minutos, adolescentes fotogénicos a morrerem horrivelmente todos os vinte e uma história meramente funcional para justificar a carnificina. Aqui só há uma personagem inocente sacrificada, durante metade do filme evoluímos num pesadelo industrial não-linear que parece saído da imaginação boschiana de David Cronenberg raptada por um David Lynch que tivesse crescido a ver filmes de terror de baixo orçamento, e tudo se resume a uma metáfora sobrenatural do fundamentalismo religioso contraposto ao amor maternal, onde mesmo o "twist" final é dado de modo subtil e atmosférico.Preocupada com a sua filha adoptiva que chama nos seus abundantes pesadelos sonâmbulos por Silent Hill, a mãe resolve levá-la àquela cidade fantasma,alegadamente abandonada após um incêndio tóxico mas na realidade atirada para um limbo entre dimensões e percorrida por estranhas criaturas das trevas. Nemtudo fica convenientemente explicado em "A Maldição do Vale", o que é bom mesmo que retire (e retira) alguma credibilidade ao filme; por vezes há a sensação de que o francês Christophe Gans (antigo crítico de cinema passado à realização com o desvairado "O Pacto dos Lobos", 2001) está maisinteressado na atmosfera inquietante que cria com a ajuda preciosa do director de fotografia Dan Laustsen e de Carol Spier, cenógrafa habitual de Cronenberg. Mas não é nada normal que um filmefantástico - ainda por cima adaptado de um jogo video - esteja mais próximo da ambição estética enarrativa do cinema de autor do que da formatação programada do comboio-fantasma, e consiga a proeza de nos intrigar, de nos inquietar, de nos seduzir sem por um momento nos tomar por parvos. Só por isso "A Maldição do Vale" vale a pena a deslocação.
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