A estrutura operática, em que o cenário da Cidade Proibida joga um papel fundamental, confere ao filmeum hieratismo quase ascético, entre o isolamento doentio da Imperatriz (espantosa Gong Li, próxima de um registo digno da tragédia grega, com a família dos Átridas e a trilogia de Esquilo, "A Oresteia", enquanto omnipresente referente) e a encenação precisa de golpes de artes marciais, tudo cronometrado por "travellings" vertiginosos e por umrigoroso uso dos efeitos especiais.
Como nos filmes mais recentes de Yimou, nomeadamente "Herói", assistimos a uma oscilação entre a epopeia histórica e o espectáculo exposto de um teatro de marionetas, em que a história serve, sobretudo, de pretexto para a ritualização. Noentanto, o modo como se inserem os excursos, em especial o ataques dos "ninjas" da guarda negra doimperador (Chow Yun-fat pouco à vontade com uma personagem algo estereotipada e rígida), permite não só traçar rimas internas com a tradição do "kung fu", mas também apreender a vontade de instrumentalizar a tragédia para evocar filmes como"Ran" de Kurosawa, uma das matrizes já destrinçáveis em "Herói", num esplendor algo mórbido e letal. O usoobsessivo do grande plano nas cenas de interiores contrasta com os picados sobre o mar de crisântemos ou o sangue que os mancha depois da batalha final.
Embora contendo todas as contradições do cinema de Yimou, demasiado fascinado com o brilho da imagem para conseguir captar toda a intensidade trágica, "AMaldição da Flor Dourada" consegue um equilíbrio raro entre as suas componentes e incorpora uminteressante olhar - quase a lembrar as extravagâncias bíblicas de De Mille - sobre o espectáculo da História em cinema.