Que não se entenda nisso um sinal de que as coisas estão à beira de mudar. Quando muito, veja-se o reconhecimento de uma geração de cineastas latinos que está a conquistar Hollywood (Guillermo del Toro é mexicano, como Alejandro González Iñarritú, de "Babel", ou Alfonso Cuarón, de "E a tua Mãe Também"), ou do talento específico de um realizador que se tem erguido a pulso como "autor" com um universo recorrente de filme para filme, independentemente de assinar uma encomenda hollywoodiana como "Blade II" (2002) ou "Hellboy" (2004) ou um filme mais pessoal como "Nas Costas do Diabo" (2001).
É, aliás, em "Nas Costas do Diabo" que se encontra a filiação directa de "O Labirinto do Fauno"; a referência à Guerra Civil Espanhola e a transfiguração da realidade através dos olhos de uma criança. O novo filme tem lugar em 1944, já depois de final da Guerra Civil, mas referese-lhe constantemente através de um odioso oficial franquista (excelente Sergi López) que instalou o seu quartel-general numa casa rural que encerra um portal para um universo subterrâneo de mitos e magia, cuja princeza desapareceu há séculos...e parece ressurgir agora sob os traços de Ofelia, a enteada do oficial. Uma menina sonhadora que relutantemente acompanhou a mãe grávida para longe da cidade e se sente perdida e assustada até encontrar o labirinto que dá título ao filme.
Relacionar o mundo real com o universo fantasioso onde Ofelia penetra é, evidentemente, um velho truque da ficção fantástica. Mas nem esta "Alice" vai sair incólume destas viagens, nem o mundo subterrâneo é um "país das maravilhas": o que interessa a Del Toro é que as portas entre um e outro não são estanques nem de sentido único. Este conto de fadas cruzado da fábula sobre a persistência do mal e o poder da inocência viaja entre o filme de guerra e o realismo mágico - reside nessa deliberada indefenição a sua mais-valia mas também a sua maior desvantagem, já que a "integração" dos dois universos é por vezes um pouco forçada (e resultava melhor em "Nas Costas do Diabo", mais atmosférico, mais conseguido e mais sugerido).
Mas confirma-se Del Toro como cineasta sensível e intelegente, mais interessado em ambientes do que em sustos gratuitos (e nesse aspecto o filme é extraordinário), com uma capacidade efabulatória invejável. Será um erro vir a "O Labirinto do Fauno" à procura da confirmação da vitalidade do cinema latino; é apenas uma prova de que o melhor cinema fantástico está muito longe de ser "parente pobre".