Fóssil de dinossauro couraçado descoberto na Batalha
A sorte de Rui Pinheiro, desenhador de sistemas de saneamento de água na Câmara Municipal de Leiria, foi ter andado por ali uma máquina a fazer um caminho, que deixou os ossos à vista. Fotografou o local e levou para casa a parte da tíbia achada, mas não guardou a descoberta para si.
Telefonou para o Museu Nacional de História Natural (MNHN), em Lisboa, afinal era lá que estava o geólogo que muitos associam aos dinossauros, António Galopim de Carvalho. E o geólogo pediu ao paleontólogo Pedro Dantas para verificar se no sítio de Casal Novo, junto da aldeia da Rebolaria, a cerca de um quilómetro da Batalha, tinham mesmo descoberto um dinossauro. "Porque há muitas pessoas que dizem que encontraram ossos e são pedras", justifica Rui Pinheiro. "Passei lá no domingo seguinte com um colega e encontrámos novos ossos, costelas e vértebras."
Pedro Dantas, do MNHN e do Laboratório de História Natural da Batalha, não tardou a confirmar que o relato tinha fundamento. Escavações em 2000 e 2002, por cientistas portugueses e espanhóis (na região onde, em tempos, uns e outros se combateram na célebre batalha de Aljubarrota), permitiram recuperar vários ossos. Um dente, vértebras, costelas, restos da cintura pélvica, ossos da pata direita, como o tarso, além da tal tíbia, ou uma placa óssea quase completa. "A placa estava por cima do pescoço. Temos ainda fragmentos de outras placas espalhadas ao longo da coluna vertebral", conta Pedro Dantas.
As placas permitem dizer que era um dinossauro couraçado. Mas houve vários, por isso para tentar determinar o género a que pertencia o dinossauro da Batalha, a equipa luso-espanhola baseou-se principalmente em características das vértebras. Classificou-o como estegossauro do género Stegosaurus (houve outros géneros), que viveu há 150 milhões de anos, no período do Jurássico Superior.
A importância de ser um Stegosaurus aparecerá em breve explicada na edição on-line da revista científica alemã Naturwissenschaften, num artigo assinado em primeiro lugar por Fernando Escaso, paleontólogo da Universidade Autónoma de Madrid. "Relatamos a primeira prova incontroversa de um membro do género Stegosaurus encontrado fora da América do Norte", escreve a equipa. "Amplia a diversidade conhecida de estegossauros na Península Ibérica", acrescenta Pedro Dantas.
Um corredor entre a Terra Nova e a IbériaNão é difícil imaginar que no tempo dos dinossauros a configuração dos continentes era muito diferente da actual. O Atlântico começou a nascer há 210 milhões de anos, entre o Norte de África e a Península Ibérica. No Jurássico Superior (entre os 160 e 140 milhões de anos), a abertura do Atlântico Norte estava em curso, à medida as placas tectónicas se afastavam (e continuam hoje a afastar) e, no meio, nascia nova crosta terrestre.
O problema é que o grau de separação dos continentes e a profundidade do mar entre as massas continentais da América do Norte e da Europa, no Jurássico Superior, é motivo de debate na comunidade científica. Havia várias ilhotas ou zonas emersas significativas?
Encontrar um género de dinossauro na Europa que até agora só se conhecia na América do Norte pode servir para fazer a reconstituição da geografia dos continentes há milhões de anos e do rompimento do Atlântico Norte, na latitude da Península Ibérica.
"Se aparecem as mesmas formas de dinossauros na América do Norte e na Europa ocidental, então elas passaram de um lado para o outro", explicita Pedro Dantas. "Este trabalho ajuda a entender como, quando e onde se processou a passagem de dinossauros de um lado para o outro do ainda incipiente Atlântico Norte, e também apresenta mecanismos geológicos que estão na base desta passagem."
A prova de que os dinossauros transitaram de um lado para o outro do Atlântico Norte, na latitude da Península Ibérica, está na descoberta do Stegosaurus. Não é, aliás, a primeira prova nesse sentido: em 1988, na aldeia de Andrés, perto de Pombal, encontraram-se ossos de um dinossauro carnívoro com cerca de 150 milhões de anos, do género Allosaurus, que até ali só se conhecia na América do Norte. Dezassete anos depois, os cientistas voltaram ao mesmo sítio e encontraram mais ossos.
Assim, a equipa propõe a existência de um corredor entre a Terra Nova e a Ibéria. Não era, no entanto, uma língua de terra que ia de um lado ao outro. "Não era propriamente uma auto-estrada. O mar era pouco profundo e, aqui e ali, apareciam terras emersas e a fauna ia passando, até atingir o lado oposto", explica o paleontólogo português. "Acreditamos que essa passagem foi selectiva, senão encontrávamos exactamente as mesmas faunas de ambos os lados deste Atlântico antigo."