Ken Loach encontrou o seu sistema. Reservou-se um nicho do qual vai emitindo variações sobre um mesmo tema, uma exploração "engagée" do "realismo social" britânico aplicado ora às desigualdades da civilização moderna ("O Meu Nome é Joe", de 1998), ora aos conflitos "esquecidos" pelo direito à auto-determinação dos povos (a guerra civil espanhola em "Terra e Liberdade", de 1995, a Nicarágua em "A Canção de Carla", de 1996). É nesta vertente que se inscreve "Brisa de Mudança" (título português infeliz, até porque deturpa o original "The Wind that Shakes the Barley", citação de uma canção revolucionária irlandesa), encenando um episódio da luta pela independência da Irlanda - quando, em 1920, depois de uma violenta guerrilha contra o imperialismo colonialista inglês, os combatentes próindependência do IRA se recusam a aceitar o cessar-fogo negociado.
Loach segue a aprendizagem política e cívica de Damien (Cillian Murphy), um estudante de medicina de uma aldeia irlandesa que abdica do seu estágio como internista em Londres para se juntar à luta pela independência quando confrontado com a crueldade aleatória dos soldados britânicos. E fá-lo cruzando a História com a pequena história pessoal, de acordo com a fórmula narrativa usada para este tipo de histórias - mas sem evitar o esquematismo dos filmes "engagés", o que é tanto mais irritante quanto, a espaços, sentimos que o próprio Loach quer contornar esse esquematismo para logo a seguir o perpetuar. Como na cena em que um oficial inglês é confrontado com o discurso democrático de Damien e lhe riposta que não podem esperar compaixão quando brincam aos soldados contra veteranos da I Guerra marcados pelas suas experiências nas infernais trincheiras - mas a pista fica por explorar, Loach preferindo dar "tempo de antena" ao aristocrata inglês com um ódio irracional à "raça inferior" irlandesa.
E há um dos mais extraordinários desaproveitamentos de que há memória no cinema recente: o progressivo afastamento dos irmãos Damien e Teddy, que, de camaradas dispostos a sacrificaremse um pelo outro, assumem lados diferentes de uma mesma luta (o pragmatismo de Teddy colocado em rota de colisão com o idealismo de Damien, e o modo como essa dicotomia simboliza a tragédia do movimento independentista irlandês).
Ora, esse afastamento que poderia engrandecer o filme apenas é explorado na última meia-hora, e mesmo aí submetido ao "programa político": mostrar como aquilo que começou por ser uma luta de independência contra um imperialismo "invasor" descambou numa luta fratricida entre fundamentalistas e progressistas.
Visto desta maneira, é impossível não pensar em "Brisa de Mudança" como um comentário aos tempos modernos (com o Iraque à frente) - mas a verdade é que o filme é tanto mais interessante quanto se afasta dessa dimensão estritamente política e a miscigena com a dimensão pessoal, de gente que paga na carne o preço das escolhas que fez. Mas Loach parece mais interessado em ter arquétipos do que gente, exemplos do que pessoas, modelos do que personagens, perdendo o filme nessa estilização programática que anula a desejada vibração trágica.
Sobra, então, um retrato impecavelmente reconstituído de um período histórico e um bom elenco em interpretações sólidas. Mas não chega para fazer de "Brisa de Mudança" um grande filme - antes uma oportunidade falhada.
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