O pirata abalroado

Ou seja, o primeiro "Piratas das Caraíbas" foi salvo, "in extremis", pelo "camp" - o que não é novo tratando-se de Depp, que ao longo da sua carreira tem feito coisas estarrecedoras com a cara e com o corpo. Depp foi mesmo pirata: conseguiu fazer crer que um candidato a "blockbuster" tivesse o seu rosto, que é o de um actor mais dado ao existencialismo à la "On the Road" do que às máquinas de fazer dinheiro nas bilheteiras. Conseguiu, com artes de ilusionista, fazer crer que havia vida ali.

Agora o pirata foi abalroado. A verdadeira natureza da empresa vem ao de cima, é Bruckheimer puro e duro. Confira-se em cada plano de "Piratas das Caraíbas: o Cofre do Homem Morto": actores hirtos - Keira Knightley e Orlando Bloom já não disfarçam que não têm nada a defender -, da câmara robótica aos efeitos especiais (mais "zombies" marinhos, menos "zombies" marinhos, é medonho), um filme- Bruckheimer é uma montagem de vidas artificiais de onde o elemento humano está ausente.

Depp foi abalroado, desta vez não o deixaram fugir com o filme. Mais um bocadinho e quase não o deixavam entrar no filme, quase bastava o nome do genérico para as pessoas saberem que ele andava por lá. É que nem há espaço para ele, que é mais "guest-star" do que outra coisa. É como um prisioneiro na sua própria casa, incapaz de se movimentar livremente - Depp está lá mas manietado, obrigado a macaquear-se, como palhaço de categoria baixa. De instigador de uma bizarria, como uma pedra na engrenagem - permitida, inicialmente, porque não se sabia bem o que as bilheteiras iriam ditar -, Depp/Sparrow foi diluído, passou a ser só mais um adereço da engrenagem agora que a fasquia decididamente subiu.

A lição que Depp vai tirar só ele sabe qual vai ser. Ninguém está à espera que chore: afinal, "Piratas das Caraíbas: o Cofre do Homem Morto" já é o filme mais popular do ano na América do Norte e é verdade que sendo um actor de elevadíssima estima e culto, Depp não tem tido muitas oportunidades na sua carreira para se habituar ao estrelato mediático. Isso alguma coisa há-de fazer ao ego de Johnny...

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