O Segredo de Brokeback Mountain

"O Segredo de Brokeback Mountain" de Ang Lee, está a mostrar aos espectadores de cinema aquilo a que alguns brincalhões chamam um novo género: "filme de cowboys gay". Este resumo superficial é demasiado cru para abranger ao vendaval emocional da história de Annie Proulx, que o filme adapta. Tendo em conta as críticas entusiastas que tem recebido, a frase também dificilmente faz justiça à emoção com que os actores Jake Gyllenhaal e Heath Ledger constroem as personagens de rancheiros do Wyoming, no início dos anos 60, dois apaixonados, dois bonitões nos seus grandes chapéus.

Mas apesar de "O Segredo de Brokeback Mountain" ser o primeiro western de Hollywood a abordar a temática homossexual de forma tão explícita, dificilmente é o primeiro a sugerir as espinhosas armadilhas emocionais que a vida de cowboy causou junto de alguns homens. Desde os clássicos de John Ford e de Howard Hawks, à vertigem de Sam Peckinpah e aos westerns revisionistas da época do Vietname, muitas das versões de Hollywood do velho (e novo) Oeste exploraram os sentimentos mais ambivalentes e escondidos que os homens sentem uns pelos outros: inveja e adoração heróica; rivalidade e camaradagem; o ódio e, em alguns casos, o amor - ou algo próximo dele.

O Oeste selvagem do imaginário popular - ao lado do imaginário das prisões, balneários, submarinos e de certas correctoras de Wall Street e negócios florescentes de Silicon Valley - perdura como paradigma masculino de medos e desejos perigosamente intensificados. O Oeste era essencialmente uma sociedade de homens, em que os rapazes passavam a maior parte do tempo com outros rapazes (já para não falar de cavalos e touros). Às vezes, eram forçados a confiar as suas vidas uns aos outros.

O clássico "western" de Hollywood, como o próprio Oeste, celebrava as idealizadas virtudes masculinas da coragem, lealdade, honra, a graça em condições de dureza e o sacar rápido da pistola. Mas os realizadores perceberam também que o velho Oeste era um campo de batalha emocional e um espaço de teste espiritual como nenhum outro na cultura americana.

Em todos os grandes westerns as relações mais apaixonadas são entre homens. E ao mesmo tempo que o código de produção de filmes, formulado pelo advogado William Hays, proibia referências explícitas à homossexualidade, realizadores como Ford e Hawks compreenderam e exploraram as inerentes tensões psico-sexuais da vida de cowboy.

No filme "Red River" (1948), de Howard Hawks, a brutal rivalidade, marcada por um latente complexo de Édipo, entre um tirano guardador de gado (John Wayne) e o seu adoptado filho rebelde (Montgomery Clift), transforma-se em algo mais ambivalente e eléctrico. A presença do jovem Clift - que era homossexual, mas em segredo -, juntamente com a brilhante e explosiva performance de Wayne, dá a "Red River" um cenário tão carregado de sexualidade reprimida como o colégio de uma criança britânica.

Na sua maioria, os heróis (e anti-heróis) dos westerns são homens por domesticar que ainda não conheceram os efeitos gentis do toque de uma mulher ou os fardos do casamento. Os westerns foram muito populares nos anos entre o fim da II Guerra Mundial e o conflito da Coreia, quando centenas de milhares de soldados que regressavam tinham de se habituar à calmia da vida doméstica. Isso pode explicar a convenção hollywoodesca do "último assalto ao banco" antes do veterano rancheiro ou fora-da-lei pendurar as armas, como uma festa de despedida de solteiro.

As mulheres, na verdade, são muitas vezes tratadas como supérfluas pela visão centrada no homem dos westerns. Por cada trapaceira como Mercedes McCambridge ["Johnny Guitar", de Nicholas Ray] ou por cada lacónica rapariga de "saloon" como Marlene Dietrich ["Rancho Notorious", de Fritz Lang], os westerns estão recheados de mulheres insignificantes.

Então para quem se viram as personagens masculinas em busca de conforto, compreensão e um saco-cama partilhado? Para outros homens, claro. O velho Oeste como uma irmandade alargada foi retratado em filmes como "The Long Riders" (1980), de Walter Hill, que pôs actores verdadeiramente irmãos a representar o papel de "gangsters" também irmãos. O comportamento másculo foi caricaturado por Andy Warhol em "Lonesome Cowboys" (1969), a sugerir que aqueles tipos fortes e calados da fronteira nem sempre eram tão masculinos como pareciam, um típico jogo wharholiano de sátira social e efabulação erótica.

Em que situação é então deixado o sexo mais fraco? Na verdade, fica sozinho no rancho. Embora Katharine Ross represente o interesse amoroso partilhado do filme "Butch Cassidy and the Sundance Kid"/ "Dois Homens e um Destino" (1969), na verdade, de forma subliminar, o namorisco ocorre entre Butch/Paul Newman, e Sundance/Robert Redford.

Os laços entre os homens e a irrelevância feminina atingem a sua apoteose sangrenta em "A Quadrilha Selvagem" (1969) de Sam Peckinpah. Na profunda meditação de Peckinpah sobre a violência, a lealdade e aquilo a que se pode chamar de ética, uma mulher desleal é casualmente morta por um tiro perante um coro de risos de homens bêbados. E no chocante clímax do filme, os foras da lei passam a sua última noite com prostitutas mexicanas anónimas, antes de protagonizarem um banho de sangue como forma de vingar o seu camarada assassinado.

Apesar de os críticos mais ferozes de Peckinpah o terem catalogado como misógino (alguém que odeia mulheres), o realizador estava simplesmente mais interessado nos sentimentos que os homens escondem no fundo do coração do que nos sentimentos que as mulheres expõem impulsivamente em intermitências de garota. Uma das cenas mais importantes de "A Quadrilha Selvagem" mostra os envelhecidos foras da lei Pike Bishop (William Holden) e Dutch Engstrom (Ernest Borgnine) a confessarem um ao outro que, apesar dos esforços impostos pela vida de bandido, não queriam que as coisas tivessem sido de outra maneira. Na verdade, a dependência mútua a que o caminho duro do campo obrigava transformou muitos cowboys na esposa substituta uns dos outros.

Hoje, a maioria dos westerns de Hollywood funciona como uma elegia ao ideal desaparecido do comportamento masculino, que afinal nunca foi tão isento de ambiguidades como parecia. "O Segredo de Brokeback Mountain" aparece muitas décadas depois do encerramento das fronteiras do Oeste e numa altura em que os westerns, em si mesmos, estavam a desaparecer do grande ecrã. O que a história oferece, na ausência de um modelo masculino claro e não ambíguo, é uma visão diversa e compreensiva do comportamento condicionado dos homens, das forças que os impedem de revelar a sua identidade - até a si próprios - e o terrível preço que pagam por não o fazerem.

Provavelmente, não é uma coincidência que "O Segredo de Brokeback Mountain" comece em 1963, o ano em que John F. Kennedy foi morto por um pistoleiro solitário, um fora da lei em guerra com a sociedade e consigo mesmo.

A trágica, e magnificamente contada, história de Proulx, e o filme de Ang Lee podem deixar o espectador sentir que agora é uma altura tão boa como qualquer outra para os homens deixarem cair as suas reservas e os seus mitos, e fazerem as pazes com os sentimentos complexos que sentem em relação aos outros homens.

(Exclusivo PÚBLICO/ Los Angeles Times Tradução de Catarina Homem Marques e Cristina Silva)

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