O imperdoável pecado da equivalência

Há uma questão prévia. É uma ficção e não um documentário. Talvez uma parábola. Para o efeito, pouco importa que o livro em que se inspira ("Vengeance", de George Jonas) seja uma efabulação. Eyal Arad - conselheiro de Ariel Sharon que Spielberg teve a prudência de contratar para defender o filme em Israel - responde em termos grandiloquentes: "É como Shakespeare a escrever Júlio César. É a via da dramaturgia." A crítica da "equivalência moral" entre terroristas e justiceiros, entre israelitas e palestinianos, é expressa por judeus americanos, como Leon Wieseltier, em "The New Republic": "Os palestinianos mostram falta de consciência, os israelitas mostram falta de consciência. Os palestinianos suprimem os escrúpulos, os israelitas suprimem os escrúpulos. Os palestinianos discursam sobre pátria, sangue e solo, os israelitas fazem o mesmo discurso sobre pátria, sangue e solo. Os palestinianos matam inocentes, os israelitas matam inocentes."

Ou pelo colunista conservador David Brooks no "New York Times", para quem o pecado de Spielberg é eliminar "a existência do mal, quando ele existe". Por isso, "os terroristas são marginais e opacos", enquanto os agentes da Mossad acabam por ser antipáticos "pela ausência da implacabilidade do mal que quer exterminar" o seu povo. Moral: "Israelitas e palestinianos são povos paralelamente vitimizados pela história e apanhados num ciclo de violência." No Médio Oriente de Spielberg, não há Hamas, Jihad Islâmica nem negacionismo do Holocausto, como no caso actual do Presidente do Irão. A história recente, conclui Brooks, mostra que o cineasta faz "uma falsa generalização": há "formas de violência que são construtivas e outras destrutivas". Ele não distingue.

a humanização da Mossad.

Em Israel, denuncia-se a falsificação histórica mas o que sobretudo incomoda é a imagem dos "anjos exterminadores" da Mossad. Israel é um país dominado pela mentalidade do cerco. As suas forças armadas ou os serviços de segurança têm de ser implacáveis e saber que representam o bem. Os cidadãos procuram esse sentimento de segurança. Ora, ao longo do filme, Avner [interpretado por Eric Bana], o chefe do comando da Mossad, executa as ordens, mata, mas hesita, duvida, tem pesadelos. Os seus dedos tremem no primeiro "trabalho". Sabe que é manipulado - são, por exemplo, executados militantes palestinianos sem relação com o massacre de Munique - e, no fim, escolhe ficar no exílio, em Nova Iorque.

Se Spielberg humaniza os terroristas ao pôr a falar o chefe do comando palestiniano, faz algo ainda mais grave: humaniza a Mossad. É insuportável para um certo Israel. "O que faz de Munique um filme complexo - e uma perfídia para os críticos de extrema-direita - não é Spielberg ter feminizado a Mossad. O problema é que a humanizou", escreve no "Jerusalem Post" o americano Eli Valley, historiador do movimento judaico no Leste europeu. A glorificação da Mossad é contraditória com a possibilidade de conflito interior do herói. Conclui Valley: "Tal como os terroristas devem ser retratados como demónios sobrenaturais, os agentes da Mossad devem ser super-heróis, não limitados por emoções de mortais. Por outras palavras, a sua representação aproxima-se perigosamente do realismo socialista."

Spielberg assume a ambiguidade própria da história de Israel. Declara a "Der Spiegel" que Golda Meir fez o que tinha a fazer ao mandar exterminar os terroristas de Munique. "Como judeu, estou consciente de quão é importante a existência de Israel para a sobrevivência de todos nós. E porque tenho orgulho em ser judeu, preocupa-me o crescimento do anti-semitismo e do anti-sionismo no mundo. No meu filme, questiono a guerra contra o terror da América e as respostas de Israel aos atentados palestinianos. Se necessário, estaria disposto a morrer pelos EUA e por Israel."

aviolência torna-os culpados. Spielberg, crítico de Bush e da guerra do Iraque, ao falar dos anos 1970 quer evidentemente reflectir sobre o Médio Oriente hoje. Disse à Time: "Há um atoleiro de sangue sobre sangue há muitas décadas nesta região. Quando acabará?" No plano final, no derradeiro encontro com o seu chefe da Mossad, a câmara percorre a costa de Manhattan e as Torres Gémeas. O autor recusa qualquer laço entre Munique e Bin Laden. O terrorismo muda de pele mas trinta anos depois continua no centro do panorama internacional: como não repensar o fenómeno e o método de o combater? A tese implícita é que a violência gera mais violência.

O filme interroga-se - demasiado sumariamente - sobre as raízes do terrorismo. "Entender não é sinónimo de perdoar. Compreender não tem nada a ver com uma suposta debilidade. É uma atitude corajosa e decididamente forte", diz o realizador à "Spiegel".

A aposta de "Munique" é a recusa de "deixar o terreno livre aos grandes simplificadores, aos extremistas judeus e aos extremistas palestinianos que até agora consideraram todas as formas de solução negociada no Médio Oriente como uma espécie de traição". Sublinha que não ataca Israel, antes levanta, como em nenhum outro dos seus filmes, "uma plétora de questões" - por isso "sou acusado do pecado de ambiguidade moral".

Qualifica este filme como "o mais europeu" que até agora fez. Será "mais facilmente e melhor compreendido aqui" do que nos Estados Unidos e em Israel. Apesar das más críticas ("falseia a história, é longo e maçador"), teve 25 mil espectadores na noite de estreia em Israel. A conjuntura criada pela vitória do Hamas incita à reflexão.

"Munique" não é um "clássico". Deixa um legado: "Perde-se a alma quando se imita o método dos bárbaros", resume Jean Daniel no Nouvel Observateur. Todo o filme "está construído para chegar à ideia de que, sejam quais forem as queixas e as razões de cada protagonista do conflito israelo-palestiniano, a violência torna-os igualmente culpados."

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