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O "thriller automático"

O melhor da sua obra coloca-se neste ponto de encontro entre a crítica social e o mecanismo preciso de uma intriga policial bem oleada e com fortes figuras transgressivas. De "Que la Bête Meure" (1969) a "A Cerimónia" (1995), Chabrol desenvolveu um controlado jogo de massacre, sempre atento ao efeito manipulador, à função do desregramento e da doença no comportamento individual, com consequentes projecções no tecido social francês.

"A Dama de Honor" encaixa na perfeição neste paradigma, com a precisão de um relógio de cuco. Para os que defendem que Chabrol está a constantemente a fazer e a refazer o mesmo filme, existem, neste drama de amores loucos e de desvios comportamentais, fortes argumentos: as relações edipianas conduzem a uma perda do sentido do real; o crime aparece como resultado aleatório de uma aliança tácita entre desequilíbrios emocionais comportamentais, sem motivos, nem móbil claros. Adaptado, como já acontecera em "A Cerimónia", de Ruth Rendell (cujo universo Almodóvar transfigurara em fantasia "kitsch" no prodigioso "Em Carne Viva"), a película rima estranhamente com "O Desconhecido do Norte-Expresso", de Patrícia Highsmith, que originara o filme homónimo de Hitchcock: um jovem fornecedor da construção civil, Phillippe Tardieu (interpretado por um muito seguro Benoît Magimel) apaixona-se por uma perturbadora (e perturbada) dama de honor do casamento da irmã e ela propõe, como prova de amor, uma variação sobre o duplo assassínio, sem razão clara. Como pano de fundo, a muito chabroliana casa em decadência, uma madrasta ausente que dança o tango em competição provinciana e uma mãe cabeleireira, possessiva e solitária. A "vingança" envolve um galã de meia idade, culpado de negligência amorosa e um sem-abrigo, resultando num equívoco: a morte atinge o alvo ao lado, a troca de vítimas nem sequer é recíproca, a relação amorosa esbarra numa exposição fátua de sinais de amor.

No filme, todas as personagens se constroem por defeito e, no entanto, o excesso parece querer dominar a figura de Stéphanie, a que adopta o nome da heroína de "O Navio Fantasma" de Wagner, Senta, protagonista da mítica morte por amor, que a une ao Holandês Voador. Só que esta carga mítica se esvai no maníaco controlo do mundo de Chabrol: a repetição mecânica das situações desequilibra a "mise-en-scène"; a "femme fatale" de Laura Smet não resulta credível, porque a sua sensualidade se dissolve na indefinição; a atmosfera opressiva, surrealizante, sublinhada pela fotografia de Eduardo Serra, perde-se na harmonização forçada de um final elíptico. A subtileza e a concisão de Chabrol acabam por criar uma sensação incómoda de "déjà vu". As pistas policiais desembocam numa concepção da narrativa como resultado de uma espécie de "piloto automático". Por um lado, somos confrontados com uma cuidadosa explanação do real (a família burguesa, a caricatura da instituição matrimonial, o quotidiano mesquinho e monótono de uma pequena comunidade), por outro, a imposição de um carácter de excepção, em que a tara e a mitomania de Senta introduzem a diferença de sinal, numa fantasmagórica (e inútil) sobrecarga de indícios - o vestido sujo e abandonado, o refúgio na cave, o cadáver decomposto da rival no sótão.

Para articular tudo isto, fundamental se tornava uma intervenção forte do realizador e o que encontramos é uma débil justaposição de tiques, restos de antigos esplendores. Chabrol a fazer Chabrol não chega para justificar tal exercício sobre o vazio, ainda que com impecável feitura técnica.

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