Terroristas inofensivos

"Frisson", dissemos? Sim: tal como "Adeus Lenine", que fazia uma espécie de luto paródico pela defunta RDA e respectivo comunismo, "Os Edukadores" também traz a política no seu centro. De modo um pouco mais interpelativo, talvez: se "Adeus Lenine" era um filme que a totalidade da direita e para aí uns 90 por cento da esquerda podiam gozar em alegre comunhão (e era, portanto, um objecto politicamente muito mais inócuo do que alguns terão feito crer), o filme de Hans Weingartner, nessa questão concreta das afinidades políticas, talvez desse para mais discussão (e divisão).

Magra virtude, talvez - mas enfim, virtude - num filme que nem tem assim muito mais para se gabar. Pode-se pôr a questão de onde quer "Os Edukadores" chegar, sendo que provavelmente nem o realizador Weingartner o saberá muito bem, tal é a maneira um pouco medrosa e, sobretudo, muito mal resolvida com que termina o filme. Fassbinder, claro, não ressuscitou - e se um espectador se lembrar dos Fassbinders altamente politizados dos anos 70 (como "A Terceira Geração", onde ecoava directamente a então contemporânea questão do terrorismo urbano da RAF e dos Baader-Meinhof) isso acontece porque esses filmes estão mais na cabeça do espectador do que no filme de Weingartner.

Que trata de um grupo de jovens (três) que formam uma espécie de grupo terrorista (os "Edukadores") politicamente correcto - ou seja, não estragam nem matam, limitam-se a entrar em vivendas pela calada, a desarrumar a mobília dos proprietários e a deixar uns quantos avisos escritos (género "vocês têm demasiado dinheiro"). Em suma, um "terrorismo simbólico", inofensivo quanto baste, que mais não faz do que desafiar a inexpugnabilidade da propriedade privada. Um dia, os miúdos (dois rapazes e uma rapariga, que em paralelo vivem uma história que Weingartner gostava que nos fizesse lembrar o "Jules e Jim" de Truffaut) são surpreendidos em pleno "raid" pela chegada intempestiva do proprietário, e têm que o raptar para não serem denunciados. Segue-se a tradicional relação "captores-cativo" - e o segmento mais fraco do filme, quando o "bonding" entre os "activistas" e o "capitalista" desemboca em longas conversas ping-pong onde de um lado e de outro se vão esgotando os "clichés", em máximas da mais básica retórica, ora de esquerda ora de direita (e o facto de o "capitalista" ter sido na juventude um "contestatário" abre a porta a ainda mais "clichés"). O que é interessante (mesmo que em parte, desconfiamos, isso venha de uma certa "maladresse" do realizador) são os momentos em que é difícil perceber qual é a relação do filme com as suas personagens - saber, por exemplo, se a ingenuidade deles é apenas a ingenuidade do filme ou se é uma ingenuidade trabalhada e procurada, uma "perspectiva".

Há alturas, sobretudo quando a obstinação dos miúdos parece corresponder também a uma espécie de resposta à sua solidão (não há praticamente mais ninguém no filme) e quando o lado estafado e anacrónico da retórica parece não representar mais do que uma impotência, em que se vislumbra qualquer coisa de enigmático no filme, um desamparo das personagens que tem alguma força (e que coloca a questão essencial: que lugar há para a "dissidência" num mundo cada vez mais unânime e, digamo-lo, cada vez mais "à direita"?). Mas, por outro lado, vem o fim do filme - para todos os efeitos, um final bastante desonesto e por mais do que uma razão - e ficamos a pensar que ou imaginámos coisas ou elas aconteceram por acaso.

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