Mas não necessariamente o tema. Como o título indica, "Clean" é o filme duma limpeza - e "limpeza", neste contexto, só pode ter a ver com drogas. Pois nem mais: a rocker do filme (Maggie Cheung, musa de Assayas, prémio de interpretação feminina em Cannes) é uma rapariga que já teve melhores dias, em tempos foi uma "songwriter" promissora, mas depois meteu-se nas drogas e descambou. Passa pela prisão (considerada responsável pela "overdose" que lhe matou o marido) e quando sai tem dois motores para a limpeza: retomar a carreira, e recuperar a custódia do filho pequeno, que vive com os avós paternos.
Temos, portanto, uma "história de rock" e um drama familiar. Não é que coexistam mal: coexistem tão bem que uma se separa facilmente da outra, como se fossem duas alíneas diferentes claramente identificadas. E se "Clean" é um filme muitíssimo desequilibrado isso acontece apenas porque a primeira, a "história de rock", é demasiado, por assim dizer, "típica", cheia das coisas que já se está à espera que apareçam e com uma construção, bastante superficial e algo estereotipada, de uma personagem que é quase um modelo genérico da "estrela rock alternativa com problemas de droga e outros derivados". Falta convicção, e se se perdoa que o filme pareça mais embevecido com Cheung e a sua personagem do que qualquer delas merece, desculpa-se menos que Assayas (que devia saber melhor) insista num reforço um tanto pindérico da "allure" marginal da rapariga. Perdoa-se também (claro) que Cheung não seja Hope Sandoval (dos Mazzy Star), mas não se perdoa que Assayas a obrigue a cantar, ainda por cima canções mazinhas que, pormenor importante, na lógica do filme o não são (isto não é um filme sobre o fracasso, mas sobre o sucesso).
E também não se perdoa que Assayas, para cúmulo, feche o filme com um estereótipo de mau videoclip (uma câmara a girar em torno de Cheung, que canta, em estúdio, naquela pose de transe catártico de que se juraria que hoje já qualquer um teria vergonha).
O que é que é bom e redime parcialmente o filme? A outra história, e sobretudo a presença de Nick Nolte no papel do avô. É um papel que parece crescer com o filme, à medida que se acentua a diferença de peso entre sua personagem e a personagem de Cheung (e talvez por isso acabe o filme como acaba, em lembrete de quem é de facto protagonista). Mas as melhores cenas - à excepção de uma, no zoo, em que Cheung perde o filho de vista durante uns momentos - são com Nolte, em pose cansada, sábia e sofrida (segundo consta, ele sabe bem do assunto em questão). De alguma maneira - não sem uma ponta de ironia, visto o filme não ser americano - "Clean" é o filme que consuma uma transição na carreira de Nolte: aqui, ele passa a ser um velho, um avô, coisa que nunca foi tanto como em "Clean". Assayas oferece ao cinema americano um actor "reconfigurado". É um belo presente.