"A Mãe" começa com um casal idoso, May e o marido, a preparar-se para visitar os filhos, Paula e Bobby, que vivem em Londres. Plano significativo: os chinelos dele, arrumados (vai ali instalar-se um vazio, sim - ele vai morrer de ataque cardíaco).
Depois da morte, May, mãe e avó, não quer regressar ao subúrbio, não está disposta a ficar enredada nesse tempo de espera que é o daqueles cuja vida terminou antes de ter acabado. Não quer, sequer, sentar-se numa cadeira de sua casa, porque poderia nunca mais levantar-se. May fica então a viver com a filha em Londres - a filha, Paula, tem um "affair" com Darren, um amigo de Bobby, para quem está a recuperar a casa.
Citando o escritor e argumentista Kureishi, numa declaração de intenções sobre a história que escreveu: "May torna-se então numa espécie de rebelde, vira-se contra o passado e começa a pensar na sua própria sexualidade, no seu próprio prazer. Isso vai custar-lhe algumas coisas, mas sempre me interessei em como a sensualidade pode despedaçar uma vida". Plano significativo: May a descascar uma cenoura, com a imagem de Darren ao fundo. Darren (Daniel Craig), o amante da filha, vai tornar-se seu amante. Darren tem metade da sua idade. É May, a avó, quem dá o primeiro beijo, quem faz os primeiros avanços.
Há outro plano significativo mais à frente daquele com a cenoura, quando as coisas começam a atingir o ponto de não regresso: May no London Eye, roda gigante com vista dominadora para a cidade. A forma como a cena nos é entregue podia até vir de um filme de ficção científica. É o silêncio, o movimento do mecanismo gigantesco que coloca May numa posição dominante sobre a cidade, que realçam uma quietude ameaçadora do filme e da personagem (Anne Reid é preciosa, é cirúrgica, mas sem gelar as emoções com o minimalismo, a colocar-se num espaço indecifrável). Como um insecto.
É numa espécie de sobressalto, então, que assistimos a este "A Mãe". O filme aproxima-se de um horizonte de aniquilação (e se fizermos um "flashback" na nossa memória, é como se fosse May tivesse imprimido desde logo essa dinâmica, fazendo desaparecer o marido...). Mais do que sobre outra coisa qualquer - a disfuncionalidade do espaço familiar, a incomunicabilidade... - "A Mãe" é um filme sobre o poder libertador e destruidor da energia sexual. Que o veículo seja uma sexagenária é o "tema de debate", digamos assim. Mas que esse horizonte de destruição esteja presente, não quer dizer que Roger Michell lide corajosamente com ele.
O realizador é o homem de "Notting Hill" (1999), um "feel good movie" que não podia estar mais nos antípodas do olhar clínico deste. Não é o primeiro encontro com Kureishi - Mitchell adaptara para televisão "The Buddha of Suburbia" -, mas não deixa de surpreender uma premonição que os planos trazem, a forma como transportam tensão. Só que nos momentos decisivos - o sexo, e como filmar os corpos de May e Darren - o realizador não sabe o que fazer (mandar tirar a camisa a Daniel Craig não chega) e essa é uma contradição que debilita o filme. Quando não faz poesia (cortinas ao vento em primeiro plano, desfocando as personagens em fundo...), tenta mostrar que enfrenta, filmando Anne Reid nua da cintura para cima, por exemplo, mas com desconforto visível - basta compar com a forma como o realizador entra livremente, como se aí libertasse o incómodo, por terrenos do grotesco na sequência, filmada do ponto de vista de May, do seu encontro sexual com um homem da sua idade.