Cronologia do processo da Casa Pia 2002 A denúncia 23 de Novembro: Uma reportagem SIC-"Expresso" conta a história dos abusos sexuais nos colégios da Casa Pia, em Lisboa. Um dos acusadores é "Joel", aluno da instituição, que acusa o funcionário Carlos Silvino ("Bibi") de o ter violado. Teresa Costa Macedo, secretária de Estado da Família em 1980, diz que Carlos Silvino está ligado a uma rede de pedofilia que envolve gente importante e que o caso foi entregue à Polícia Judiciária (PJ), em 1982. 25 de Novembro: Carlos Silvino é detido pela PJ e preso preventivamente. O provedor da Casa Pia, Luís Rebelo, é demitido pelo ministro da Segurança Social e do Trabalho, Bagão Félix, por ter minimizado o facto de apenas existir um caso de pedofilia em 1300 funcionários da instituição. Manuel Abrantes, até aqui provedor adjunto, é nomeado provedor da instituição. 26 de Novembro: A Procuradoria-Geral da República (PGR) anuncia que o "processo de 82" foi entregue ao Tribunal de Cascais, arquivado em 1987 "por insuficiência de provas" e destruído em 1993 "por falta de espaço". 27 de Novembro: Manuel Abrantes é exonerado do cargo de provedor da Casa Pia sem ter chegado a iniciar funções. Carlos Cruz defende-se nas televisões 28 de Novembro: É recordado que as primeiras averiguações na Casa Pia relativamente a Carlos Silvino, por abuso sexual de menores, foram iniciadas em 1978 devido a denúncias do "mestre" Américo Henriques e são feitas as primeiras referências aos nomes de Jorge Ritto e Carlos Cruz. Este defende-se publicamente nos três canais de televisão. 29 de Novembro: Catalina Pestana é nomeada provedora da Casa Pia. 16 de Dezembro: Teresa Costa Macedo, ouvida na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, acusou Ramalho Eanes, João Soares Louro, presidente da RTP em 1980, Morais Leitão, Carlos Macedo e Luís Barbosa, ministros dos Assuntos Sociais entre 1980 e 82, de conivência em relação ao silêncio sobre os casos de abusos sexuais na casa Pia. 2003 21 de Janeiro: Manuel Abrantes, ex-provedor da Casa Pia, é suspenso por suspeitas de abuso sexual de menores, depois das queixas de dois alunos. As primeiras prisões 29 de Janeiro: Catalina Pestana, ao ser ouvida no Parlamento, admite a existência de uma rede de pedofilia na Casa Pia. 31 de Janeiro: Carlos Cruz, Hugo Marçal e Ferreira Diniz são detidos pela PJ. 1 de Fevereiro: O juiz Rui Teixeira decreta a prisão preventiva de Carlos Cruz e Ferreira Diniz, suspeitos de abuso sexual de menores. Hugo Marçal, suspeito do crime de lenocínio, sai em liberdade com termo de identidade e residência mediante o pagamento de uma caução de 10 mil euros. 4 de Fevereiro: O despacho de juiz Rui Teixeira deixa perceber que Carlos Silvino seria o angariador, Hugo Marçal o intermediário, Carlos Cruz e Ferreira Diniz os clientes. O mesmo despacho justifica a prisão de Carlos Cruz com o perigo de fuga, de destruição de provas e de continuação da actividade criminosa. 22 de Fevereiro: Gertrudes Nunes, proprietária da casa de Elvas onde terão decorrido as práticas pedófilas, é constituída arguida. 27 de Fevereiro: Pedro Strecht, que coordena o gabinete de apoio aos alunos da Casa Pia, afirma terem sido detectados mais de cem casos de abuso sexual de menores na instituição. Carlos Silvino admite colaborar com justiça. 12 de Março: Carlos Silvino presta declarações no DIAP e decide mudar de atitude, prestando "esclarecimentos que considera relevantes". 1 de Abril: Manuel Abrantes, ex-provedor adjunto da Casa Pia, é detido por suspeita de abuso sexual de menores. 4 de Abril: O procurador adjunto João Guerra deduz acusação contra Carlos Silvino. 5 de Maio: Hugo Marçal é detido pela PJ e, depois de ouvido no TIC, é preso preventivamente. A bomba Paulo Pedroso e a crise no PS 20 de Maio: Jorge Ritto é detido pela PJ, indiciado de 11 crimes de abuso sexual de menores e fica em prisão preventiva. 21 de Maio: O juiz Rui Teixeira desloca-se à Assembleia da República para entregar a Mota Amaral um pedido de levantamento da imunidade parlamentar a Paulo Pedroso, deputado e ex-ministro do PS, para que este possa ser detido. Paulo Pedroso, indiciado de 11 crimes de abuso sexual de menores, é ouvido no TIC, pelo juiz Rui Teixeira. Ferro Rodrigues, secretário-geral do PS, afirma que há 12 dias que se sabia que o nome do seu "número dois" e o seu próprio eram citados por alegadas testemunhas do processo de pedofilia. Ferro Rodrigues considera ainda que Paulo Pedroso está a ser alvo de uma "ignóbil calúnia" e que, com a sua prisão, também se pretende "manchar a honra e a credibilidade do PS". 22 de Maio: Paulo Pedroso é preso preventivamente. O procurador-geral da República afirma não ter conhecimento de estarem a ser realizadas escutas telefónicas a Ferro Rodrigues. O caso das escutas a Ferro e a Costa 23 de Maio: Ferro Rodrigues e António Costa terão tido os seus telemóveis pessoais sob escuta no âmbito das investigações a Paulo Pedroso. Coloca-se a questão da legalidade dessas escutas. Souto Moura garante que as escutas telefónicas realizadas são legais, sem especificar se Ferro Rodrigues e António Costa foram escutados. 25 de Maio: Herman José é notificado para prestar declarações no TIC, no âmbito do processo. 26 de Maio: A identificação de Paulo Pedroso pelas alegadas vítimas pode estar ferida de nulidade por ter sido feita apenas através de fotografias. Os telefonemas do líder do PS a Jorge Sampaio 27 de Maio: Questionado sobre a possibilidade de Herman José ser suspeito no processo de pedofilia, Souto Moura responde "pode ser". 28 de Maio: Um dos motivos que levaram Rui Teixeira a determinar a prisão preventiva de Paulo Pedroso foi o perigo de perturbação do inquérito, com base nos telefonemas de Ferro Rodrigues para Jorge Sampaio e de António Costa para Mota Amaral e Souto Moura, no dia em que o deputado foi detido. 30 de Maio: Herman José presta declarações no DIAP e é constituído arguido, indiciado da prática de actos sexuais com adolescentes. 3 de Junho: A defesa de Pedroso recebe as transcrições das escutas telefónicas realizadas ao arguido, a Ferro Rodrigues e a António Costa, que terão influenciado Rui Teixeira a optar pela prisão preventiva. 4 de Junho: Ferro Rodrigues é ouvido pelo procurador João Guerra, no DIAP. 22 de Junho: O arqueólogo Francisco Alves é constituído arguido do processo. 25 de Junho: Uma ex-enfermeira do Hospital de Santa Maria e um educador de um dos lares da Casa Pia de Lisboa são constituídos arguidos. Polémica do cara-a-cara entre arguidos e testemunhas 18 de Julho: Rui Teixeira recusa o processo de inquirição de testemunhas por videoconferência, proposto pelo Ministério Público, o que significa que as alegadas vítimas vão ser inquiridas cara a cara com os arguidos do processo, seus alegados agressores. Estas inquirições a 32 testemunhas seriam para memória futura (gravadas para utilização em julgamento). 23 de Julho: Desde a prisão de Paulo Pedroso, foram escutadas mais de 1700 conversas telefónicas de Ferro Rodrigues. 2 de Agosto: O Ministério Público pretende que as testemunhas deponham por videoconferência. 13 de Agosto: O recurso do Ministério Público que tenta impedir a acareação das testemunhas com os arguidos foi apresentado fora do prazo, pelo que pode ser considerado nulo. 22 de Agosto: O Ministério Público entrega um novo requerimento para tentar impedir o frente-a-frente entre arguidos e testemunhas, reconhecendo implicitamente que entregou o recurso para o Tribunal da Relação fora do prazo. Advogados abrem guerra a Rui Teixeira 29 de Agosto: Rui Teixeira decide que as testemunhas de acusação vão ser inquiridas por videoconferência, a partir da PJ, revogando, assim, a sua própria decisão. 1 de Setembro: Os advogados de seis arguidos presos preventivamente - todos, excepto Carlos Silvino - requerem o afastamento do juiz Rui Teixeira, alegando imparcialidade. Há suspensão das inquirições às testemunhas antes de estas se iniciarem. 5 de Setembro: O TR indefere "liminarmente, por manifestamente infundada" a recusa do juiz Rui Teixeira do processo, que continua, assim, a conduzi-lo. As primeiras vitórias dos arguidos no Constitucional... 25 de Setembro: O TC adopta decisões favoráveis aos arguidos: Hugo Marçal terá de ser novamente interrogado por Rui Teixeira, que terá de concretizar as circunstâncias que ditaram a sua detenção; Rui Teixeira é instado a ponderar a consulta dos elementos de prova que sustentam a prisão preventiva de Hugo Marçal; o TR terá de apreciar o recurso da prisão preventiva de Paulo Pedroso e deverá julgar imediatamente o recurso do embaixador Jorge Ritto. O TC não deferiu o pedido de "habeas corpus" de Carlos Cruz. 30 de Setembro: Jorge Sampaio defende que alguns mecanismos do sistema judicial, como a presunção de inocência dos arguidos, o segredo de justiça, a lealdade processual e as escutas telefónicas têm de ser revistos, de modo a impedir decisões "iluminadas". Tomada de posição vista como crítica à actuação do juiz Rui Teixeira. ... e a libertação de Paulo Pedroso 8 de Outubro: Paulo Pedroso sai em liberdade. Acórdão do TR contraria as razões que motivaram a sua prisão preventiva e arrasa os indícios de abuso sexual de menores reunidos pelo MP e pela PJ contra o deputado. Paulo Pedroso sai do EPL directamente para a Assembleia, onde se forma uma enorme confusão e onde é recebido com abraços e aplausos de deputados e funcionários do PS. 9 de Outubro: A Procuradoria reagiu aos acontecimentos após a libertação de Pedroso, criticando a "politização da justiça". 15 de Outubro: Rui Teixeira decide manter Carlos Cruz, Jorge Ritto e Ferreira Diniz em prisão preventiva. Hugo Marçal repete primeiro interrogatório. "'Tou-me cagando para o segredo de justiça", diz Ferro 17 de Outubro: São conhecidas declarações das conversas telefónicas escutadas a Ferro Rodrigues e a António Costa no dia da detenção de Paulo Pedroso, em que Rui Teixeira se terá baseado para alegar perigo de perturbação do processo. "'Tou-me cagando para o segredo de justiça" é uma das observações mais polémicas do secretário-geral. Também se sabe que os dirigentes socialistas tentaram entrar em contacto com o procurador João Guerra. O PS reage, dizendo que as declarações foram retiradas do seu contexto para dar a ideia de pressão sobre o sistema de justiça. Hugo Marçal é libertado de madrugada, depois de ter sido interrogado por Rui Teixeira pelo terceiro dia consecutivo. O juiz aplica-lhe termo de identidade e residência. 19 de Outubro: São revelados mais excertos de escutas realizadas a Ferro Rodrigues e a António Costa, onde é dito que Jorge Sampaio já sabia do envolvimento do nome de Paulo Pedroso dias antes de este ser preso. Ferro reage alertando para "as ameaças muito fortes ao PS e à democracia". 21 de Outubro: Numa comunicação ao país, Sampaio garante que "está fora de questão" poder pensar-se que tenha utilizado informação privilegiada para "obstruir ou influenciar" a justiça. Sampaio reitera confiança no procurador 23 de Outubro: O Presidente recebe Souto Moura e dá sinais de confiança no procurador. 14 de Novembro: António Sanches, funcionário da Casa Pia, é detido pela PJ por suspeita de abuso sexual de menores. Fica em prisão domiciliária. 3 de Dezembro: O STJ decide manter o juiz Rui Teixeira como titular do processo, ao confirmar o acórdão do TR que indeferiu a pretensão de seis arguidos de afastar o magistrado. 5 de Dezembro: O TC defere o recurso de Jorge Ritto, pelo que o TR terá de reformular o acórdão que confirmou a sua prisão preventiva. 10 de Dezembro: O TR defere o recurso de Carlos Cruz relativo à recusa de Rui Teixeira a inquirir o arguido e determina que o juiz marque novo interrogatório. 17 de Dezembro: O TR invalida o primeiro interrogatório realizado a Jorge Ritto, assim como todos os actos subsequentes realizados pelo juiz Rui Teixeira, e determina a libertação imediata do embaixador e a realização de um novo interrogatório. Pouco depois, Jorge Ritto é detido pela PJ ainda no interior do EPL e conduzido imediatamente ao TIC para ser inquirido. 20 de Dezembro: Rui Teixeira decreta a prisão preventiva de Jorge Ritto, baseado nos depoimentos de três alegadas vítimas e nas denúncias de Carlos Silvino. A acusação do Ministério Público 29 de Dezembro: Chega ao fim a fase de inquérito. O MP deduz acusação contra 10 dos 13 arguidos. São formalmente acusados Carlos Silvino, Carlos Cruz, Herman José, Paulo Pedroso, Hugo Marçal, Jorge Ritto, Ferreira Diniz, Manuel Abrantes, Francisco Alves e Gertrudes Nunes. De fora, ficam o funcionário da Casa Pia António Sanches, a enfermeira Maria Odete e o funcionário da Câmara de Lisboa António Jaime Brito. 30 de Dezembro: A investigação não demonstra a existência de uma rede pedófila com características de associação criminosa, mas une os arguidos na prática dos abusos sexuais numa "estrutura informal". A Herman José é imputado um crime de abuso homossexual de adolescente. 31 de Dezembro: Rui Teixeira substitui a prisão preventiva de Ferreira Diniz por prisão domiciliária com uso de pulseira electrónica. 2004 A carta anónima sobre Sampaio 1 de Janeiro: Duas cartas anónimas a envolverem Jorge Sampaio e António Vitorino são anexadas ao processo pelo procurador João Guerra, que diz, no entanto, serem irrelevantes para a investigação. 2 de Janeiro: O procurador defende Jorge Sampaio, afirmando que não foi pronunciado por ninguém envolvido nos autos. 3 de Janeiro: Noticia-se que o MP violou o Código de Processo Penal ao incluir as cartas anónimas que referenciam Jorge Sampaio e António Vitorino. A crise do álbum de fotografias 6 de Janeiro: Seis dos dez arguidos solicitam a abertura da instrução do processo por considerarem que há contradições na acusação. Sai a notícia de que o álbum de fotografias mostrado às alegadas vítimas, para identificação dos suspeitos, contém retratos de Mota Amaral, do cardeal-patriarca de Lisboa D. José Policarpo, do ministro Paulo Portas, de Ferro Rodrigues, de Mário Soares, do comissário europeu António Vitorino e do deputado João Soares. Sabe-se também que, nesse álbum, existiriam duas fotografias de Paulo Pedroso e que este foi sempre reconhecido através da foto menos nítida e a preto e branco (a foto nº8). 7 de Fevereiro: Rui Teixeira mantém Carlos Cruz em prisão preventiva por considerar que documentos entregues para reforçar os álibis do apresentador não têm força para abalar a credibilidade dos indícios da prática dos crimes. Rui Teixeira justifica a decisão com o perigo de alarme social e de perturbação de inquérito. 18 de Fevereiro: A instrução do processo é sorteada e entregue à juíza Ana Teixeira e Silva. 19 de Março: Carlos Silvino envolve, pela primeira vez, o nome de Paulo Pedroso na alegada rede pedófila, num interrogatório realizado pela juíza Ana Teixeira e Silva. 2 de Abril: O TR anula a prisão preventiva de Jorge Ritto, sujeito a duas medidas de coacção: proibição de se ausentar do concelho de Cascais e obrigação de se apresentar semanalmente no posto policial da área. 4 de Maio: O TR substitui a prisão preventiva de Carlos Cruz por prisão domiciliária. 7 de Maio: Ana Teixeira e Silva decide aplicar prisão domiciliária a Manuel Abrantes. Dos dez arguidos, apenas Carlos Silvino permanece em prisão preventiva. 10 de Maio: Realiza-se o debate instrutório. O MP pede a pronúncia de todos os arguidos. Despacho de pronúncia deixa Pedroso e Herman de fora 31 de Maio: A juíza Ana Teixeira e Silva emite despacho de pronúncia a Carlos Silvino, Carlos Cruz, Jorge Ritto, Ferreira Diniz, Manuel Abrantes, Hugo Marçal e Gertrudes Nunes. Paulo Pedroso, Herman José e Francisco Alves não irão a julgamento. A juíza reduziu também o número de crimes imputados pelo MP aos sete arguidos que irão ser julgados e alterou a medida de coacção de Carlos Cruz, que passa agora de prisão domiciliária para a impossibilidade de ultrapassar as fronteiras do concelho de Cascais; de Jorge Ritto, que fica apenas sujeito ao termo de identidade e residência, e de Manuel Abrantes, que fica apenas impedido de sair do concelho de Oeiras. 2 de Junho: Sabe-se que Ana Teixeira e Silva desvalorizou o reconhecimento fotográfico de Paulo Pedroso e considerou fracos os testemunhos contra o deputado. 3 de Junho: José Maria Martins solicita, ao Tribunal da Boa-Hora, a libertação de Carlos Silvino por considerar que "não faz sentido" que seja o único arguido que continue preso. O jornalista, o director da PJ e as cassetes fatais 5 de Agosto: Sabe-se que circulam nos meios de comunicação social e judiciais gravações de diálogos entre Octávio Lopes, jornalista do "Correio da Manhã", e investigadores, juristas, advogados, o director nacional da PJ, Adelino Salvado, a assessora de imprensa da Procuradoria, Sara Pina, e outras personalidades ligadas ao processo, como Pedro Namora, Adelino Granja, Catalina Pestana ou Proença de Carvalho. O teor de alguns diálogos causa surpresa (por poderem indiciar violações do segredo de justiça), assim como o facto de certos registos terem sido efectuados sem o prévio consentimento dos interlocutores de Octávio Lopes. 8 de Agosto: O primeiro-ministro chama a si a coordenação do caso das "cassetes roubadas". Adelino Salvado diz que o conteúdo das conversas pode ter sido truncado. 9 de Agosto: Adelino Salvado demite-se por se sentir "numa clara situação de isolamento perante a tutela política". 10 de Agosto: O procurador reúne-se com o primeiro-ministro e com o ministro da Justiça, por causa das cassetes roubadas, que revelam fugas de informação ilegais sobre o processo. 13 de Agosto: São publicados, no "Independente", excertos de conversas entre Octávio Lopes e Sara Pina, assessora de Souto Moura, o que leva a colocar a hipótese de demissão do procurador. O semanário publica também diálogos entre o jornalista do "CM" e Adelino Salvado, que deixam perceber que foi o ex-director nacional da PJ quem revelou as informações de que Ferro Rodrigues teria sido indicado por três testemunhas do processo. 14 de Agosto: A maioria PSD-CDS/PP é contra a demissão do procurador. PS, PCP e BE querem que Souto Moura dê explicações. 15 de Agosto: Jorge Sampaio e Santana Lopes mantêm a confiança política em Souto Moura, embora esperem explicações sobre a eventual quebra do segredo de justiça por parte da sua assessora de imprensa, que se demite. 16 de Agosto: Souto Moura diz que não coloca o seu lugar à disposição. Sampaio almoça com Santana Lopes para discutir as "cassetes roubadas". Em comunicado, garantem que Souto Moura se manterá como procurador-geral da República. 3 de Setembro: Os dois processos relativos à Casa Pia são fundidos, pelo que Carlos Silvino será julgado juntamente com os restantes arguidos. 29 de Setembro: O início do julgamento do processo Casa Pia, que irá decorrer no Tribunal da Boa-Hora, é marcado para o dia 25 de Novembro. Ana Rita Ferreira |
Casa Pia: o julgamento do caso que abalou o regime
Para trás ficaram as decisões de tribunais superiores que abalaram uma parte do processo penal português, as notícias que relançaram o debate sobre o jornalismo e as violações do segredo de justiça, as polémicas que arrasaram a liderança de Ferro Rodrigues no PS. Na sala da Boa-Hora vão julgar-se os factos do processo mas na sociedade portuguesa ficaram danos colaterais que vão perdurar. Para muitos, este foi o caso que abalou o regime, obrigando o Presidente da República a fazer comunicações ao país, provocando demissões, entre as quais avulta a do director-geral da Polícia Judiciária, Adelino Salvado, questionando a intervenção do procurador-geral da República, Souto Moura.
Constituíram-se assistentes no processo, ou seja, acompanham o Ministério Público na acusação, para além da Casa Pia de Lisboa (CPL), 17 alunos da instituição, nascidos entre 1984 e 1988, e que, à data dos factos em apreço neste julgamento, nos anos de 1999 e 2000, tinham entre 12 e 16 anos. Um total de 29 rapazes nascidos entre 1983 e 1991 - com idades que vão dos oito aos 16 anos à data dos factos em causa - aparecem também como "ofendidos".
"A esmagadora maioria das condutas imputadas aos arguidos na acusação diz respeito a menores de 14 anos", refere o despacho de pronúncia da juíza Ana Teixeira Silva, que acrescenta: "O que a análise destes autos revela é uma realidade impressionante. Tão ou mais importante do que a noticiada angariação de alunos menores da CPL para práticas sexuais fora da instituição é a dimensão (assustadora) dos relatos de ilícitos sexuais perpetrados dentro dos muros dos vários colégios por inúmeras pessoas pertencentes ou ligadas à instituição." Entre as "inúmeras outras testemunhas" que, segundo o processo, "referenciam alguns dos arguidos como estando envolvidos em actos de pedofilia e de homossexualidade com adolescentes, alunos da CPL e outros rapazes não pertencentes à instituição", contam-se muitos alunos e ex-alunos, funcionários e educadores da instituição.
O arguido que responde pelo maior número de crimes é Carlos Silvino, ex-funcionário da CPL, pronunciado sozinho, num primeiro processo, em 4 de Abril de 2003, por 17 crimes de abuso sexual de crianças, 16 de abuso sexual de pessoa internada e dois de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência. Num segundo processo, em 31 de Maio deste ano, foi pronunciado por 252 crimes de abuso sexual de pessoa internada, 346 de abuso sexual de crianças, três de violação agravada, dois de peculato de uso e 32 de lenocínio. O ex-funcionário da Casa Pia, detido em Novembro de 2002, viu os dois processos serem fundidos num só, por decisão tomada no início de Setembro pelo juiz Ricardo Cardoso.
"Essa fusão foi, sem dúvida, uma vitória do advogado deste arguido [José Maria Martins]. Uma lógica de bom senso devia permitir que os dois processos fossem juntos, mas o Código de Processo Penal não o permite. Para juntar os dois processos, o dr. José Maria Martins perverteu as regras e teve toda a razão para o ter feito", afirmou ao PÚBLICO o advogado Francisco Teixeira da Mota.
José Maria Martins fez o que pôde para juntar os processos, uma vez que o seu constituinte, se respondesse sozinho num julgamento, seria inevitavelmente condenado pelos crimes de que ia acusado. Ao responder em conjunto com outros arguidos, Carlos Silvino pode optar por colaborar com a acusação e obter do tribunal um tratamento mais favorável.
A junção dos dois processos faz com que, no julgamento que hoje começa, Carlos Silvino responda por um total de quase 700 crimes. Segue-se Manuel Abrantes, acusado de 51 crimes, sendo 43 de abuso de pessoa internada, cinco de abuso sexual de crianças, dois de lenocínio e um de peculato de uso. Ao embaixador Jorge Ritto são imputados nove crimes de abuso sexual de crianças e dois de lenocínio e a Carlos Cruz cinco crimes de abuso sexual de crianças e um de abuso sexual de adolescentes. O médico Ferreira Dinis está acusado de 18 crimes de abuso sexual de crianças e o advogado Hugo Marçal de 14 crimes de abuso sexual de crianças e 21 de lenocínio. Sobre Gertrudes Nunes recai a acusação de 35 crimes de lenocínio e sobre o arqueólogo Francisco Alves a de um único crime de posse ilegal de arma.
O julgamento - a cargo de um colectivo presidido por Ana Peres e tendo como juízes-asa Ester Pacheco dos Santos e José Manuel Barata, estando a acusação apresentada pelo procurador da República, João Aibéo - decorre na sala de audiências da 7ª Vara do Tribunal da Boa-Hora. Depois da sessão de abertura, com acesso permitido aos jornalistas, os trabalhos decorrerão, em princípio, à porta fechada, embora não esteja afastada a hipótese de as testemunhas arroladas pelos arguidos, com excepção das de Gertrudes Nunes, serem ouvidas com a comunicação social presente.
Depois de identificar os arguidos, o tribunal pode ler a pronúncia, mas tal não deverá acontecer, dado que a peça processual em questão tem quase 300 páginas. A seguir, os juízes passarão a ouvir os arguidos, um a um, começando por Carlos Silvino, cujas declarações deverão ocupar várias sessões, dado o desejo que ele tem, manifestado através do seu advogado, de colaborar com o tribunal.
Os outros arguidos só podem começar a assistir às sessões - e a ouvir o que os outros arguidos têm a dizer - depois de eles próprios terem prestado declarações. Cada um responderá às perguntas do juiz, havendo também lugar a questões do Ministério Público - com fama de ser muito hábil a interrogar - e dos advogados de defesa. Seguem-se as testemunhas de acusação e de defesa, interrogadas por quem as apresenta, embora também possa haver contra-interrogatório por parte dos advogados, do Ministério Público e dos juízes. Depois das alegações finais da acusação e da defesa, e das últimas declarações dos arguidos, o colectivo elabora o acórdão do julgamento, que se antevê com uma duração de vários meses.
O advogado António Pinto Pereira, que representa a Casa Pia, assistente no processo, não estará presente na abertura do julgamento, retido na Venezuela pela defesa dos envolvidos no caso da apreensão, no aeroporto de Caracas, de uma carga de droga prestes a embarcar num voo da Air Luxor para Lisboa.