Mas o realizador descobriu que a proximidade, por vezes, altera a visão das coisas. E, em vez do monstro, encontrou uma figura com a qual se pode simpatizar. Quer dizer, nem ele próprio, Mograbi - um homem de esquerda que recusou servir no exército israelita durante a guerra com o Líbano -, estava imune, e resolveu assumi-lo com a sua própria exposição no filme a que deu o título kubrickiano de "How I learned to overcome my fear and love Arik Sharon" (1997).
Os filmes de Mograbi são tão subjectivos e encenados que se pode perguntar o que fazem num festival como o DocLisboa, que vai mostrar "How I learned to overcome my fear and love Arik Sharon", em "prime-time", na quarta-feira (às 21h, Grande Auditório da Culturgest) e "Happy Birthday, Mr. Mograbi" (sexta, dia 29, às 18h30, Pequeno Auditório). São duas das 13 obras integradas na secção paralela "Como Entender o Médio Oriente?", e onde se encontram autores como o palestiniano Elia Suleiman e o israelita Amos Gitai. Mograbi está também presente na competição internacional, com a recente curta "Detail" (domingo, 21h, Grande Auditório).
A sua última longa-metragem, "August", foi exibida há dois anos no seminário de cinema documental Doc's Kingdom, em Serpa - para que não restem dúvidas quanto ao contexto em que as obras de Mograbi costumam ser apresentadas. E, no entanto, convém evitar tomar os seus filmes como visões objectivas da situação israelita ou israelo-palestiniana. Há quem lhes chame "docu-ficções", semi-documentários, ou, como Serge Tréfaut, "auto-ficções". Vão todos dar ao mesmo: ao grau de impureza do estilo documental de Avi Mograbi.
Sobre isso, explicava ele, no Doc's Kingdom, em 2002: "Claro que estou interessado na verdade e na realidade, mas não tenho a certeza de estar interessado na realidade factual ou na verdade factual. Para mim, 'Apocalypse Now' é um excelente documentário, diz-me algo sobre o mundo de uma forma que eu preciso de saber. Diz-me algo sobre a guerra. Se existiu ou não um capitão Willard, isso não é importante. Mas para mim ele é definitivamente uma personagem verdadeira. E existe do mesmo modo que existem muitos documentários que estão cheios de verdade mas, em primeiro lugar, são muito chatos e, em segundo lugar, distorcem a realidade com a sua verdade. Por isso, não me interessam. Interessa-me outro tipo de síntese purificada ou filtro que me diga alguma coisa sobre o mundo."
E assim Mograbi inventou para si mesmo, isto é, para os seus filmes, um duplo. Que é igual a ele, que é um realizador como ele, e cuja mulher, como a dele, se chama Tammi. E que sistematicamente aparece nos seus filmes confessando-se frente à câmara. Um dispositivo esquizofrénico que é também a marca do seu estilo. Mograbi inventa uma personagem e um drama doméstico como forma de mostrar como a conjuntura política de Israel invadiu os espaços sociais, quotidianos, até individuais (de Sharon diz ser "o único político cujas acções tiveram um efeito directo" na sua vida). É a dramaturgia de um "bigger picture", a sociedade israelita e o conflito israelo-palestiniano, que estão latentes no material documental que Mograbi regista nas ruas, nas campanhas políticas.
Em "How I learned to overcome...", o realizador segue Ariel Sharon durante a campanha eleitoral de 1996, confrontando-se a si mesmo - ou melhor, confrontando o seu duplo - com o seu (falso) fascínio pela figura do general. E tudo acaba com Mograbi dançando de roda com um grupo de judeus ortodoxos, num karaoke manhoso de apoio ao partido de Sharon. Em "Happy Birthday, Mr. Mograbi" (1999), faz coincidir o seu aniversário com a celebração dos 50 anos do Estado de Israel - que é também o 50º aniversário da questão dos refugiados palestinianos, o chamado "Nakba", que quer dizer "catástrofe" -, convergindo tudo para um clímax de "meltdown" pessoal.
Subversivo, Mograbi não se poupa a si mesmo. Longe do heroísmo moral de um Michael Moore, com quem o seu trabalho tende a ser (erroneamente) comparado, mostra-se como parte do "sistema", da paranóia, do descontrolo da sociedade e política israelitas - e só a ironia e o "nonsense" com que joga vislumbram uma espécie de demarcação crítica. Os seus filmes são sobre o conflito israelo-palestiniano, sem o abordarem directamente, são como que parábolas ou, para pegar no título da sua curta-metragem a concurso, "Detail", detalhes de algo que os ultrapassa, do tal "bigger picture". "Detail" é só isto: um descampado, um carro-patrulha israelita, uma família palestiniana a pedir que deixem uma mulher ferida chegar ao hospital, um megafone a ordernar-lhes que recuem, figuras humanas (palestinianos) frente à máquina (israelita). Não é isto o conflito israelo-árabe?