IndieLisboa: um festival do melhor cinema que nunca se viu cá
É o IndieLisboa, que se realiza entre 24 de Setembro e 2 de Outubro, no cinema S. Jorge, e que por estes dias fará a sua apresentação pública. Entre os seus directores/programadores - Rui Pereira, Miguel Valverde, Nuno Sena - estão membros da Zero, o que autoriza a que se pense que o festival continua, reformulando-os e tornando-os eficazes, os objectivos daquela anterior experiência de exibição.
A questão pode pôr-se - se a Zero deixou de programar o Cine 222 (onde fidelizou um público, maioritariamente universitário, que descobria o cinema) foi porque não conseguiu sustentar-se como estrutura. O público é fundamentalmente conservador e isso não viabiliza a experiência de mostrar cinema menos formatado? O que é que garante, assim, o êxito do IndieLisboa?
Para estas perguntas, Rui Pereira, Miguel Valverde e Nuno Sena têm respostas.
"Há público interessado, o problema era sustentar uma programação diária", diz Rui Pereira. "Não havia bilheteira suficiente para sustentar a associação e a vinda de filmes" - apesar de tudo, nota Nuno Sena, "a Zero fazia 40 a 50 mil espectadores por ano, com 50 espectadores por sessão, números que até são comparáveis aos da Cinemateca".
"Com um festival as coisas podem funcionar em bloco. Há um conservadorismo do público no seu todo, se quisermos, mas há um grupo de pessoas que se mexem para ver filmes, ávidas de conhecer as coisas", continua Rui Pereira. "O problema, na Zero, era cruzar esses grupos. Com o festival, concentrando a programação em 10 dias, criando uma dinâmica que facilita que as pessoas se desdobrem pelas sessões, tentamos cruzar públicos e temos recursos para fazer uma programação que é uma escolha criteriosa. Podemos chegar onde a Zero não chegou".
Em termos de custos a experiência mostrou-lhes que "é mais fácil" conseguir subsídios e apoios (neste caso, do ICAM, da câmara de Lisboa, do S. Jorge) "para um acontecimento como um festival do que para uma actividade regular, até porque é difícil explicar a um patrocinador o que é que tornava a experiência do Cine 222 diferente das outras". "Durante anos andámos atrás do S. Jorge para as sessões da Zero e nunca conseguimos, agora têmo-las", nota Rui Pereira.
Piscar de olho a Sundance
Ao transformar-se em IndieLisboa, a filosofia de programação da Zero sofre uma mutação. Alarga-se o público-alvo: continua a ser urbano, mas para além do segmento entre os 18 e os 25 anos, os universitários, deseja-se o "público que tem hoje 50 ou 60 anos, pessoas que durante os anos 60/70 iam ao cinema e deixaram de ir"; é um público cinéfilo mais velho que o IndieLisboa quer recuperar, nota Miguel Valverde. E deseja ainda captar-se "um público flutuante, que está nos 30 e tal anos, que tem uma vida que o obriga a ser selectivo nas escolhas, e que precisa de um 'gancho' para ir ao cinema", acrescenta Nuno Sena.
A programação centra-se no "cinema contemporâneo, dos últimos dois anos", concretiza Sena. "Vai ser uma montra do melhor que não se viu cá. Alguns dos melhores títulos de 2004 vão ser vistos em Portugal neste festival", garante.
Três blocos estruturam o IndieLisboa: competição oficial, para primeiras e segundas obras, nacionais e internacionais, em todos os formatos, com concurso para longas e curtas-metragens (até 15 filmes cada) - os títulos serão anunciados em final de Agosto; secção Observatório, "um radar sobre a cinematografia mundial" que é uma colecção de honrosos e badalados títulos, alguns dos quais nunca passariam por cá, e que só não estão em competição porque não são primeiras nem segundas obras (é o caso de "Breaking news", de Johnnie To, "Hardluck Hero", de Sabu, "Ten on Ten", de Kiarostami, documentário/instalação, "Fog of War", mais um objecto não identifícável de Errol Morris - entre a entrevista, o retrato e a confissão, filma Robert MacNamara, o Secretário de Defesa de JFK, o homem que pôs a América no Vietname -, e ainda os portugueses "Noite Escura", de João Canijo e "Lisboetas", de Serge Tréfaut).
Finalmente, a secção Herói Independente, que todos os anos homenageará um cineasta, cinematografia, actor ou actriz, e que na primeira edição é um "valentine" enviado, por razões afectivas, ao Festival de Cinema Independente de Sundance, com uma mostra de alguns dos mais significativos filmes que ali passaram este ano (o documentário "Super Size Me", de Morgan Spurlock, olhar sobre os malefícios da vontade de comer americana, e "Tarnation", de Jonathan Caouette, comovente espiral psicadélica de home-movies e canções que reinventa a vida de um filho - o próprio cineasta - e da sua mãe). Para esta homenagem, virá a Lisboa o director da programação de Sundance, John Cooper.