Doenças inflamatórias dos intestinos também serão estudadas
Além da predisposição genética ao cancro do estômago, o protocolo entre o Ipatimup e a Apifarma prevê ainda o estudo de duas doenças inflamatórias dos intestinos, a de Crohn e a celíaca. Na doença de Crohn, tal como no cancro do estômago, também está envolvida uma característica genética ligada a uma proteína que recruta mais células inflamatórias para uma zona agredida. É o factor de necrose tumoral alfa. O mesmo grupo de pessoas saudáveis, usadas como controlo no estudo sobre a predisposição genética ao cancro do estômago, servirá para estabelecer comparações genéticas com quem sofre da doença de Crohn. Já o risco de ter a doença celíaca, em que há má absorção do glúten nos intestinos e aparece logo em criança, está associado a um certo tipo de sistema HLA, um complexo imunitário importante para o reconhecimento das próprias células. Agora, este trabalho vai ver se estas características genéticas estão presentes nas crianças portuguesas com esta doença. Usar-se-á como grupo de controlo crianças saudáveis que tenham ido às urgências dos hospitais por outros motivos. O objectivo é desenvolver testes de diagnóstico preventivos. T.F.

Estudo vai avaliar predisposição dos portugueses ao cancro do estômago

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A bactéria "Helicobacter pylori" está associada a úlceras, gastrites e ao cancro do estômago DR

Portugal é o país da União Europeia onde há mais cancro do estômago e onde se morre mais desta doença. Embora esteja a registar-se uma redução na incidência e na mortalidade, ainda aparecem por ano 4000 novos casos e há, pelo menos, 3000 mortos. Por isso, o estudo do cancro gástrico é uma das prioridades dos cientistas do Ipatimup.

Já estudaram certas características ou polimorfismos genéticos que tornam os seus portadores mais susceptíveis de desenvolver cancro do estômago e gastrite crónica atrófica — uma lesão nas células das glândulas na mucosa gástrica que produzem ácido clorídrico e que pode ser precursora de lesões que resultarão em cancro do estômago.

Mas que características genéticas individuais são essas? Fazem com que uma pessoa produza mais ou menos de certas proteínas envolvidas no processo inflamatório — a interleucina- 1 beta e o factor de necrose tumoral alfa. Estas proteínas recrutam mais células para a zona do estômago agredida, tentando repará-la através da inflamação.

No entanto, se estes danos forem causados pela “Helicobacter pylori” — uma bactéria associada a gastrites, úlceras e cancro do estômago —, pode ser mau ter uma resposta inflamatória excessiva. Isto porque o estômago não consegue verse livre desta bactéria, e ter uma grande inflamação pode virar-se contra a pessoa, provocando danos nas células. Pensa-se que, em Portugal, mais de 80 por cento da população adulta está infectada pela “Helicobacter pylori”.

Há ainda uma terceira característica genética associada a um maior risco de cancro gástrico: tem a ver com o receptor do antagonista da interleucina-1.

Na membrana das células há proteínas às quais se ligam outras proteínas, que se chamam receptores. Há receptores, ou portas de entrada nas células, para a interleucina-1. Mas há outros parecidos com os da interleucina-1 — os tais antagonistas. Embora não se conheçam as suas funções exactas, interferem no processo inflamatório e estão associados a um risco maior de cancro gástrico.

Depois de olhar para estas especificidades do hospedeiro da “Helicobacter pylori” — nós próprios —, os cientistas foram ver as particularidades da bactéria. Ou seja, as características genéticas que a tornam mais, ou menos, virulenta.

Ficou demonstrado, conta Manuel Sobrinho Simões, director do Ipatimup, que o risco de cancro do estômago chega a ser 80 a 90 vezes maior, face à população em geral, em alguém que seja geneticamente susceptível (tendo em conta a interleucina-1 beta e o receptor antagonista da interleucina-1) e esteja infectado pelas estirpes mais virulentas da “Helicobacter pylori”. Todos estes conhecimentos sobre o que nos torna mais predispostos ao cancro do estômago e o que torna a bactéria mais perigosa foram obtidos em vários estudos, nos quais participaram Céu Figueiredo, José Carlos Machado, Leonor David ou Fátima Carneiro, além de Sobrinho Simões.

Por exemplo, há dois anos os cientistas do Ipatimup concluíram um estudo sobre 460 trabalhadores dos estaleiros navais de Viana do Castelo, que estabeleceu uma ligação entre certas características genéticas e uma maior intensidade da gastrite crónica superficial e da gastrite crónica atrófica.

Há cerca de um ano, concluiu- se outro estudo, no Norte do país, em cerca de 300 pessoas com cancro do estômago, que chegaram ao Hospital de São João e ao Instituto Português de Oncologia do Porto. Estas foram comparadas com cerca de 600 pessoas saudáveis e foi este trabalho que concluiu o tal risco de 80 a 90 vezes superior.

Outro trabalho mais recente, publicado em Agosto, comparou indivíduos normais com indivíduos com gastrite crónica atrófica e com doentes de cancro gástrico. Neles, estudaram-se os três polimorfismos — da interleucina-1 beta, do factor de necrose tumoral alfa e do receptor do antagonista da interleucina-1. “Verificouse que os indivíduos que têm simultaneamente os três polimorfismos têm um risco aumentado quer de desenvolvimento de gastrite crónica atrófica (seis vezes superior), quer de carcinoma gástrico (dez vezes superior)”, explica Céu Figueiredo.

Agora, o estudo que irá ser feito na sequência do protocolo com a Apifarma pretende ver se estas conclusões se aplicam a uma população mais alargada e de várias proveniências geográficas. Sobrinho Simões espera que a amostra inclua mil pessoas com cancro gástrico e duas mil normais.

Concluído o estudo, daqui a três anos, poderão tomar-se decisões importantes para a saúde pública, de forma a reduzir a incidência de cancro gástrico: “O objectivo é decidir quais são os doentes com gastrite crónica que têm de ser tratados e a quem tem de ser erradicada a ‘Helicobacter pylori, mal tenham um diagnóstico, porque têm o somatório da predisposição genética pessoal com uma ‘Helicobacter pylori’ muito agressiva.”

Nem em toda a gente a bactéria precisa de ser erradicada, até porque esse tratamento faz-se através do uso maciço de antibióticos. Mas é preciso que existam testes no mercado para se saber quem precisa de fazê-lo. Assim, este estudo também permitirá decidir quais os laboratórios que vão oferecer testes de diagnóstico à população com eficácia e bom preço, sublinha Sobrinho Simões.

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