Qual é a floresta? É a das alarves celebrações das proezas sexuais da adolescência, o mundo das "teen comedies" do actual cinema americano (não falamos aqui, é claro, dos que chegam com a consciência assumida da sua originalidade - e genialidade -, como "Donnie Darko", por exemplo, e outros exemplos de "teenage angst"; falamos aqui da névoa do "mainstream").
São celebrações alarves como um concurso de obscenidades num balneário - num desses filmes, "Férias de Arromba"/"Happy Campers", de Daniel Waters (2001), eis a proposta: "Tens Britney Spears, Phoebe Cates, Hale Berry, Pamela Anderson nuas, podes fazer com elas o que quiseres. Mas uma delas tem uma verruga genital grave. Não podes usar preservativo. O que fazes?" Resposta: "Esfrego o coiso na cara delas antes de me vir sobre a de Ms. Berry."
Denotam um propósito voyeurístico que às vezes quase as tornam ("quase", seria preciso mais um bocadinho de esforço para a coisa ir além da patifaria...) um exercício conceptual a partir da ideia de "peep show"- em "Road Trip", de Todd Phillips (2000), as raparigas conversam no banheiro sobre o facto de os rapazes "só quererem ver mamas e cu" e a câmara, numa espécie de súbito "flash" de autoconsciência, comporta-se como tal e... inclina-se sobre mamas e cu.
Alardeiam o princípio de que "por trás de uma grande mulher está sempre uma grande masturbação", o que significa que, decididamente onanistas (e nitidamente seguindo o fluxo do "sketche" televisivo), mantêm as personagens num estádio de evolução infantil, com uma fixação regressiva e escatológica pelos fluidos corporais.
São razões que bastem para ignorar esta floresta? Mas assim passa-se ao lado da aventura exploratória que é tentada nos "teen movies". Que, na verdade, não se ficam só pelas proezas do obsceno, testando a flutuação das identidades, das atribulações do sexo e dos papéis sexuais (como se fosse mais fácil num género "irresponsável" ser permeável às mudanças - ao impacte, por exemplo, dos movimentos "gay" e feministas).
Não se pode dizer que haja aqui consciência ideológica muito aguerrida. E é verdade que um gesto de transgressão é capaz de desencadear o horror na personagem que o praticou, o que significa que se pode olhar para os "teen movies" como flagrantes de reaccionarismo, onde acabam por sair reforçados os valores institucionais que antes foram violados (tese que poderá ser, supostamente, comprovada pelo facto de ao longo da saga "American Pie" chegar sempre o momento reparador da "love scene" e do "sentimento").
Mas se fica a inconsequência, ou o recuo, ficam também as marcas de uma energia selvagem: a de quem espanta fantasmas, sozinho, no escuro.
Estes são filmes sobre o olhar e a identidade masculinos (na "versão" feminina - confira-se no surpreendente "Sugar and Spice", de Francine McDougall, de 2001, com a Mena Suvari de "Beleza Americana" -, está sobretudo uma atracção pelo negrume, e nesse filme em particular há mesmo uma decepção verdadeiramente traumática em relação ao "sonho americano"). Estes são filmes em que "boys will be boys" e não querem ser "men" (é claro que "American Pie 3" é a rendição). Em que o outro (o sexo feminino) é apenas uma hipótese de fantasia, e em que a única realidade é a fantasia do sexo - uma actividade solitária, masturbatória, ao contrário da ingenuidade romântica que impregnava os filmes de John Hughes nos anos 80 ("The Breakfast Club", "Pretty in Pink" ou "Sixteen Candles"), que foi a época em que Hollywood, depois da radicalidade adulta dos 70, foi ao encontro dos "boys and girls" que estavam à espera de espelho reflector.
toca e foge. Deixando de fora qualquer hipótese de nostalgia, eis o grande masturbador, o Stifler de "American Pie". Tem outros nomes em outros filmes, mas o mesmo rosto de Sean William Scott (os rapazes-actores ficam mais presos aos estereótipos que vestem do que as raparigas-actrizes, que fogem mais rapidamente deste "submundo" - veja-se o caso das carreiras de Mena Suvari, Kirsten Dunst e Reese Witherspoon). E Scott tem sempre a mesma fúria de transgressão - o seu rosto, um dos maiores queixos do cinema americano, é um esgar de voracidade - e uma evidente capacidade de "toca e foge".
Algumas das proezas lúbricas do rapaz já foram desvendadas, mas falta dizer que a todas essas humilhações Sean William Scott responde com prazer, pânico (e nojo) para chegar outra vez ao prazer. Quer na progressão esperma-urina-escrementos - ou seja, "American Pie 1" (1999), "American Pie 2" (2001), "American Pie 3") - quer na abertura a uma certa elasticidade sexual, chamemos-lhe assim. O "episódio" 2 é o mais eloquente: selvaticamente heterossexual como sempre, Sean William Scott está disposto, para satisfazer o seu voyeurismo - confirmar que duas raparigas são lésbicas -, a imitar todos os gestos delas. Ou seja, a escorregar da sua heterossexualidade. Elas aproveitam-se: beijam-se, se ele for beijado por um rapaz (ele aceita); masturbam-se se ele se deixar masturbar por dois rapazes (eles fogem, porque Stifler aceitou).
Já em "Road Trip", em que Scott espalha a sua filosofia - "tenham sempre sexo com a rapariga uma última vez antes de acabarem tudo" -, muito de acordo com os rituais que pratica nas festas (alugar raparigas por uma noite), não passa despercebido, antes pelo contrário, que o seu momento mais aventuroso ("that was awsome!") é ser violado por uma luva com um dedo lá dentro - num banco de esperma, onde vai vender um pouco de si próprio, é o dedo que lhe dá uma ajudinha, e esse auxílio, ficamos a perceber, vai passar a ser um expediente a que toma o gosto.
Este momento da evolução da espécie, em que a fantasia é, no fundo, no fundo, uma forma de ir adiando a consumação (porque esse é o primeiro sinal da passagem à idade adulta, aquilo que "American Pie 3" tem de concretizar para a saga acabar), tem um episódio supremo (embora seja arriscado falar em "obra-prima"...) num filme chamado "Dude, Where's my Car?", de Danny Leiner (2000).
Não é preciso chegar à altura da "obra-prima", mas também não há que ter pruridos em considerá-lo um dos mais bizarros voos sobre o universo juvenil que o cinema americano produziu. É um objecto irresistivelmente abstracto, onde não existe mais nada a não ser dois rapazes, Sean William Scott e Ashton Kutcher, e as suas fantasias. Nada, nem mulheres (que ou são transexuais ou alienígenas que vieram do espaço - o que é significativo do olhar sobre "elas"), nem cenário real (todo o filme é uma correria da memória, que ficou danificada por uma noite de aventuras).
E desta forma o "teen movie" se misturou com a ficção científica (série B, anos 50), e o "monstro" daí resultante ainda tenta a comédia biológica. Ou seja, Sean William Scott mais regressivo do que o habitual, próximo do macaco, animal que o fascina como um membro de uma espécie reconhece outro membro da mesma espécie. Ele e Ashton Kutcher formam uma dupla que aguenta um filme não a dialogar mas a trocarem códigos em "loop", o que torna o conjunto próximo de uma ladaínha hipnótica.
O DVD é uma boa hipótese de descoberta de objectos como "Dude, Where's my Car?", daqueles que têm tudo para não se distinguirem do "lixo". Já agora, assinale-se que o "género", que se multiplica em outros subgéneros, como o "filme de terror com adolescentes" (em que elas são castigadas), já teve o seu momento de consciência "pós-moderna", com o filme coleccionador de citações e nostalgias: "Not Another Teen Movie", de Joel Gallen (2001). Vai a todas, à saga "American Pie" e a fenómenos como "Beleza Americana". No seu centro, no entanto, está a nostalgia sobre os fundadores anos 80: "Not Another Teen Movie" passa-se num liceu, o John Hughes High School, cita até "The Breakfast Club" e o "brat pack". Mas a prova de que muita coisa mudou desde então é o facto de logo na primeira cena uma rapariga utilizar um vibrador. No final, aparece Molly Ringwald, que em tempos foi "pretty in pink". Olhando à sua volta, Molly despede-se, como nós temos de fazer chegados a este ponto: "Fucking teenagers."