Arons de Carvalho considera norma do "Expresso" "perigosa"

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Arons de Carvalho espera dos organismos que alertou uma "posição sobre a matéria" Miguel Silva

No sábado, o semanário incluiu nas suas páginas um conjunto de 19 normas deontológicas que seguem, "no essencial, a Lei de Imprensa e o Código Deontológico dos Jornalistas", representando "um somatório de regras aplicáveis a casos claramente definidos". As regras reportam-se a matérias como o direito de resposta, a independência dos jornalistas, a confidencialidade das fontes e a privacidade, entre outros.

Todavia, o "código de conduta" do jornal prevê que algumas normas "podem não ser observadas quando existir interesse público", sendo que o "Expresso" considera interesse público "evitar um crime ou um delito grave; proteger a segurança ou a saúde públicas e prevenir a acção de um indivíduo ou organização que possa causar danos significativos à comunidade".

Ora, o que, segundo as cartas que enviou, preocupa Arons de Carvalho - que foi secretário de Estado da Comunicação Social do anterior Governo - é que uma das regras que o semanário se permite ignorar nestes casos de "interesse público" é a respeitante às escutas telefónicas. Ou seja, uma das cláusulas do "código de conduta" estabelece que "os jornalistas não devem recorrer a aparelhos de escuta ou à intercepção de conversas telefónicas privadas, nem devem publicar informação obtida clandestinamente através daqueles meios", mas tal norma pode ser desrespeitada nos casos em que "existir interesse público".

Em declarações ao PÚBLICO, o deputado socialista considera "razoável o 'código de conduta' do 'Expresso'" e até admite a violação de certas regras éticas "para obter certas informações em nome do interesse público". "Mas isso tem limites!", defendeu, considerando inadmissível, em qualquer caso, que repórteres usem aparelhos de escutas telefónicas. "Não há interesse público que justifique chegar a esse ponto", sustentou.

"Deste modo, o 'Expresso' admite explicitamente que os jornalistas ao seu serviço cometam, não apenas uma grave falta deontológica, mas um crime punido pelo Código Penal. Com efeito, o artigo 192º do Código Penal pune a intercepção, gravação, registo e a divulgação de conversa ou comunicação telefónica 'sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas'. A pena prevista (um ano de prisão ou multa até 240 dias) é ainda agravada pela circunstância dos actos serem cometidos através da comunicação social, segundo o artigo 197º", escreveu Arons de Carvalho nas referidas cartas.

Admitir essa possibilidade, considerou o deputado, "mesmo que ponderados outros interesses porventura relevantes", constitui "uma iniciativa não apenas insólita mas sobretudo perigosa e inaceitável". A sua reacção, explicou, deveu-se sobretudo ao facto de, "tendo origem num órgão de informação considerado de 'referência', este tipo de práticas poder mais facilmente generalizar-se a grande parte da comunicação social".

Arons de Carvalho espera dos organismos que alertou uma "posição sobre a matéria", nomeadamente sobre a possibilidade de os jornalistas recorrerem à intercepção, escuta ou gravação de telefonemas privados. O deputado sublinhou ainda que na mesma edição em que divulgou o seu "código de conduta", o "Expresso" "violou grosseiramente por duas vezes as normas da Lei de Imprensa sobre o exercício do direito de resposta".

O PÚBLICO tentou ouvir o director do semanário, José António Saraiva, mas este esteve indisponível durante todo o dia de ontem. Os organismos aos quais escreveu Arons de Carvalho não se quiserem pronunciaram por não terem ainda uma posição oficial sobre o assunto.

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