Novela não devia estar no horário nobre
O actual cenário não lhe parece "muito interessante nem muito europeu", segundo afirmou anteontem, no debate "A Telenovela em Portugal", promovido pelo Centro de Investigação de Media e Jornalismo no Instituto Franco-Português, em Lisboa.
O realizador Jorge Paixão da Costa lembrou, todavia, que se erguem numerosos obstáculos em Portugal à produção de outros géneros de ficção. "E se conseguirmos continuar a fazer novela já estamos com sorte", ironizou, para justificar a saudável sobrevivência do género. Por outro lado, tanto Paixão da Costa como Virgílio Castelo sublinharam o papel da telenovela - sobretudo a partir de finais dos anos 90, com produções contínuas e acarinhadas pelas audiências - enquanto lugar de experimentação de actores, técnicos e métodos.
Isabel Ferin, professora na Universidade de Coimbra e investigadora do tema, chamou ainda a atenção para os efeitos sociais das telenovelas. Além das mensagens intencionais que as histórias por vezes veiculam - discussão do aborto, preconceitos raciais, importância da escolaridade ou da higiene, por exemplo - as novelas têm um papel político subtil. Aprendem-se e aceitam-se novas formas de orientação sexual, de composição familiar, de relacionamento entre gerações. As questões do quotidiano "ganham visibilidade" e muitas mulheres encontram nos episódios "ideias para sair da rotina", recordou a investigadora na sessão, organizada pelo investigador José Carlos Abrantes para o ciclo Falar TV.
A comparação com a Globo
Dois dos males de que a telenovela portuguesa foi sofrendo, e que a levaram a ser massacrada pela opinião publicada durante anos, foram o facto de a produção ser, inicialmente, esporádica, não permitindo criar uma máquina produtiva e um estilo próprio, e a eterna comparação com as novelas da brasileira Globo, a mais eficaz e perfeita maternidade de telenovelas do mundo. Pelo menos assim o crêem Virgílio Castelo e Jorge Paixão da Costa. "Com os orçamentos que temos, as novelas que cá fazemos são excelentes", garantiu o segundo, lembrando a menor qualidade das novelas brasileiras sem assinatura da Globo.
O actor e o realizador - que fez um mestrado sobre telenovela - acreditam que o ritmo de produção actual permitiu corrigir muita da "teatralidade" que a crítica dos primórdios atribuía aos actores portugueses. Mas "subsistem problemas de luz, guarda-roupa e textos, a nível da produção", disse Virgílio Castelo. Por outro lado, advertiu Paixão da Costa, "nunca se criou massa crítica ou controlo de qualidade. Desde que haja audiência está tudo bem". Ou, como referiu Virgílio Castelo, "o único crivo é o do cliente".
Jorge Paixão da Costa lamentou ainda a ausência de directores de arte nas telenovelas portuguesas e o papel subalterno dos realizadores na sua feitura, dado que estes se limitam a "obedecer" aos autores sob as limitações impostas pela produção executiva.