Happy Africa

Está mesmo longe de ser o melhor filme de Flora Gomes - "Os Olhos Azuis de Yonta", que é o seu filme que mais aparenta com este, era bastante melhor, mais sólido na estrutura e mais brilhante nos resultados. Mas, se admitirmos que o fundamental de "Nha Fala" é a construção e a exibição de um espírito festivo e positivo, celebração de uma África em estado jubilatório que pelo menos por uma vez se pode dar ao luxo de um filme "escapista" como este, então é justo que se diga que Flora Gomes leva mesmo a água ao seu moinho.

Uma "Amélie Poulain" africana, portanto? Felizmente não, "Nha Fala" é menos desmiolado do que isso. Embora a ponta mais negativa por onde se lhe pode pegar ande lá perto. Expliquemos: a história centra-se numa rapariga que não pode cantar porque segundo a maldição que pesa sobre a sua família todas as mulheres que cantarem morrem; durante uma estada em Paris canta, grava um disco que se torna um sucesso, e regressa à terra natal para provar que a maldição não existe. A sequência parisiense aposta num folclorismo de fachadas e personagens "simpáticas" que se pode tornar um bocadinho irritante - não há gente má em "Nha Fala", são todos muito puros e até o velho racista francês é incluído na festa final a dançar com... uma mulher negra. Pode-se dizer: mas esse folclorismo é a raiz do filme, e está presente mesmo nas sequências africanas. Pois está, mas por alguma razão o tom eufórico das sequências africanas ultrapassa essa pecha, como se do "pitoresco" se fizesse um instrumento de comunhão; e a sequência parisiense nunca consegue ultrapassar o folclore mais básico, e é o único momento em que o filme corre o risco de se tornar irritante (e isto apesar do "godardianismo", certamente involuntário, da mulher-a-dias portuguesa que debita algumas frases sobre as relações entre ex-colonizadores e ex-colonizados).

Esse é o ponto mais fraco do filme, os momentos em que não encontra argumentos convincentes para manter o tom "upbeat" sem parecer que está apenas a tentar ser "bem disposto" a qualquer preço. Do resto, diríamos que o que vale a pena reter é mesmo a impressão de genuína alegria que nos seus momentos mais felizes o filme consegue gerar. Toda a abertura, por exemplo, com a perseguição do ex-namorado da protagonista, o "gag" do busto de Amílcar Cabral, a primeira entrada das canções e do género musical, ou depois a festa (que, por acaso, é um funeral...) com algumas tiradas divertidas sobre o confronto entre o catolicismo e o animismo.

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