Presença do "povo" na TV é saudável para a democracia
Eduardo Cintra Torres, crítico de TV do PÚBLICO, apresentou anteontem uma explicação para o fenómeno, durante o debate Políticos, Intelectuais e "Povo" na Televisão, promovido pelo Centro de Investigação Media e Jornalismo no Instituto Franco-Português, em Lisboa.
Esta "democratização", defendeu, deve-se sobretudo ao aparecimento dos canais privados. "O objectivo de um canal é ter sempre mais clientes, neste caso espectadores. Para isso, tem de espelhar os próprios espectadores. Os canais generalistas precisam da identificação com o maior número de pessoas sem ter em conta a sua qualificação, da mesma forma que um canal temático para crianças há-de querer chegar ao maior número possível de crianças", disse, concluindo que "os canais generalistas não se podem limitar a dar tempo de antena aos especialistas, aos políticos, aos cientistas, aos intelectuais".
Para Cintra Torres, tal presença das "não elites" "tem aspectos muito positivos". "Ouvimos mais opiniões, que não conheceríamos de outra forma. Isto leva a que haja um interesse pela política diferente do que antes. Os políticos interessam-se pelos problemas que interessam às pessoas que os elegem e não apenas pelas questões que lhes interessam a eles e ao Estado". Como consequência, sustentou, "há um menor pacto entre jornalistas e poderosos e há notícias que denunciam abusos de poder e crimes à sombra do Estado, como as dos casos da pedofilia ou de corrupção".
Mas o crítico televisivo sublinhou que a expressão "povo" não seria a mais adequada. Do que se trata, explicou, é do acesso à TV "do cidadão comum, que se exprime à sua maneira e que não tem a obrigação de se exprimir na televisão com a retórica dos políticos ou dos jornalistas, que são retóricas aprendidas e corporativas". E esse fenómeno "leva a que as pessoas sem poder que já não se sentem representadas pelos partidos e outras organizações recorram à televisão para denunciarem injustiças".
"Aprofundamento da democracia"No fundo, admitiu, os cidadãos comuns servem-se da TV, e dos "media" em geral, do mesmo modo que estes se usam dos primeiros. Todavia, Eduardo Cintra Torres considera que essa tendência "faz parte do aprofundamento da democracia". E explicou: "É esta interactividade TV-cidadãos que leva as televisões a falarem do orçamento e dos dinheiros públicos exactamente nesses termos: como dinheiros públicos", por exemplo.
É certo que haverá alguns aspectos negativos desta "invasão popular" dos ecrãs. "Há pontualmente, tendência para algum populismo. O meu gosto pode ficar ofendido, mas o meu gosto, ou o gosto das elites, não tem de ser o gosto de todos. E há uma alteração da agenda jornalística provavelmente exagerada no sentido de deixar de fora temas que seria importante para os espectadores serem abordados". Mas Cintra Torres acredita que os benefícios superam as desvantagens. E lembrou que a presença do "povo" na TV não reduziu o espaço de antena de políticos ou especialistas.
Já o deputado socialista Medeiros Ferreira, convidado a falar "pelos políticos", sublinhou o papel ambíguo e mal explicado das TV na promoção de certos membros da classe e na ocultação de outros. Numa intervenção carregada de ironia e humor, recordou o percurso de alguns (hoje) ilustres eleitos que iniciaram a sua "carreira mediática" comentando a actualidade futebolística ou mesmo as notícias da semana. "Quem os escolheu a eles para terem uma "tribuna?", questionou o deputado, que identifica uma "aliança" entre certos canais e certos políticos que comungam interesses. Nomeadamente, não tem dúvidas de que a eleição de Durão Barroso para líder do PSD "foi uma 'vitória' da SIC".
Mas porque os "especialistas" continuam presentes na TV, esta também proporciona o conhecimento de pessoas - e das suas experiências e saberes - "a que não teríamos acesso de outro modo", lembrou ainda o investigador José Carlos Abrantes, organizador da sessão, integrada no ciclo Falar Televisão.