Endividamento das famílias ensombra férias dos portugueses
Com o crédito malparado e as dívidas dos portugueses a crescerem, mais o desemprego a aumentar, avolumam-se as dúvidas sobre se ainda vai restar dinheiro na carteira para gozar as férias. As agências de viagens já falam, nesta altura do ano, numa quebra de 20 a 30 por cento nas vendas em relação ao ano passado. Acreditam, porém, que, quando os meses de Verão chegarem, a maioria dos portugueses não vai deixar de viajar para Portugal e para o estrangeiro.
Se não, vejamos. De acordo com dados recentes do Banco de Portugal (BP), no final de 2002 a taxa de endividamento dos portugueses em percentagem do rendimento disponível atingiu os 103 por cento, ultrapassando, pela primeira vez, os 100 por cento, quando em 1995 a taxa era de 38 pontos percentuais. Face a tal índice, a margem dos portugueses parece ínfima, se não mesmo inexistente, para pagarem umas férias ou uns dias fora do seu local de residência.
A este aumento do endividamento dos portugueses não está, também, alheio o facto de não se registar um decréscimo no crédito à habitação, em detrimento claro do mercado de arrendamento. Até Fevereiro do corrente ano, o crédito a particulares para compra de casa fixava-se nos 65,5 mil milhões de euros, e deste total 97 por cento é contraído a mais de cinco anos.
E certo é, também, que os portugueses têm cada vez mais dificuldades em pagar os seus empréstimos ao banco. Incumprimento esse que leva mesmo as entidades bancárias a colocarem anúncios nos jornais a divulgarem a venda de imóveis, que vão desde apartamento a escritórios, que ficaram na sua posse devido ao não pagamento das prestações.
E os números isso mesmo confirmam. De acordo com o BP, até Fevereiro passado o crédito malparado (ou de cobrança duvidosa) atingia já os 1012 milhões de euros para um total de crédito à habitação concedido de 65,5 mil milhões de euros. Deste modo, o crédito em atraso representa já 1,5 por cento do crédito à habitação concedido, quando em período homólogo do ano passado representava 1,2 por cento. Endividamento este que, segundo o BP, fez com que a taxa de poupança das famílias portuguesas crescesse pelo terceiro ano consecutivo, atingindo, no ano transacto, os 12,4 por cento do seu rendimento disponível. Poupanças estas na sua maioria destinadas a amortizar os empréstimos contraídos junto da banca. Será, por isso, muito pouco provável que quem tem dificuldade em pagar o empréstimo da casa onde vive possa ter dinheiro para alugar um outra onde possa gozar um período de férias.
Por outro lado, quem acreditava numa retoma económica lá para o segundo semestre deste ano é melhor desenganar-se. É que, ainda no início desta semana, o Governo reviu em baixa de 1,25 pontos percentuais o cenário macroeconómico que serviu de base para a elaboração do Orçamento do Estado para 2003 e do Programa de Estabilidade e Crescimento entregue a Bruxelas. O que quer dizer que o produto interno bruto (PIB) deverá crescer este ano num intervalo entre os 0,25 e 0,75 por cento, bem abaixo das previsões iniciais do Executivo — entre 1,25 e 2,25 por cento.
Face a tais dados, e com o próprio Governo a rever em forte baixa as metas de crescimento para 2003, será possível que os portugueses, endividados, consigam amealhar algum dinheiro para irem de férias? A pergunta parece ser de resposta difícil. É que, apesar das romarias até ao Algarve e de muitos circuitos para o Brasil terem esgotado em algumas agências de viagens, as estatísticas disponíveis revelam que os portugueses viajam cada vez menos. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), no quarto trimestre de 2002 o número total de viagens dos residentes caiu 32,8 por cento face a período homólogo de 2001, num total 2643,3 mil viagens. O motivo que gerou mais viagens — 45,8 por cento — foi o de “visita a familiares e amigos”, seguindo-se-lhe o de “lazer, recreio e férias” — 36,5 por cento, tendo Portugal sido o principal destino das viagens realizadas — 92,7 por cento —, sendo que do total de viagens ao estrangeiro 14,7 por cento eram por razões profissionais e 8,4 por cento de férias.
Afectado pela crise foi também o tão publicitado conceito “vá para fora cá dentro”. É que, de acordo com dados revelados ontem pelo INE, as dormidas dos residentes em Portugal em estabelecimentos hoteleiros caíram, nos primeiros dois meses deste ano, 10,4 por cento quando comparado com período homólogo de 2002. As únicas regiões que conseguiram variações homólogas positivas foram a Madeira e o Algarve — que continua a ser o principal destino dos turistas, com 34,1 por cento do total das dormidas —, com acréscimos de 3,5 e 1,7 por cento, respectivamente. Em sentido inverso, as dormidas de estrangeiros em Portugal, em Janeiro e Fevereiro de 2003, registaram um acréscimo de 3,5 por cento.
A tudo isto acresce ainda o facto de não parar de aumentar o número de desempregados em Portugal. No final de Março estavam inscritos nos centros de emprego 421.058 portugueses, mais 2,1 por cento do que no final do mês anterior e mais 24 por cento que em período homólogo de 2002. Ou seja, e de acordo com dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional, no espaço de um ano Portugal passou a contar com mais 81.436 desempregados.