Morreu o pianista norte-americano Nicholas Angelich
Aos 51 anos, desaparece este intérprete de relevo da música clássica que foi aluno, entre outros, de Maria João Pires. Longa doença respiratória foi a causa da morte do músico que passou várias vezes pelos palcos portugueses.
O pianista Nicholas Angelich morreu na segunda-feira, aos 51 anos, após uma longa doença respiratória, noticia a imprensa francesa. O diário Le Figaro decreta mesmo um “dia negro para a música clássica” na sequência desta notícia, que sucede às dos desaparecimentos do compositor britânico Harrison Birtwistle e do pianista romeno Radu Lupu num curto espaço de tempo. Angelich era um dos grandes pianistas da actualidade
Nascido em 1970 nos Estados Unidos, mais precisamente em Cincinnati, para onde os pais haviam emigrado na década anterior, era filho de um violinista, o sérvio Bora Angelich, e de uma pianista, a russa Clara Kadarjan. Esta, que estudara sob a tradição da União Soviética, transmitiu-lhe ensinamentos logo desde os cinco anos, o que lhe permitiu dar o seu primeiro concerto aos sete, com uma orquestra de câmara – interpretou o Concerto para Piano N.º 21 de Mozart.
Aos 13 anos, começava o seu treino formal no Conservatório de Paris, estudando com mestres como Aldo Ciccolini, Michel Béroff ou Marie-Françoise Buquet. Já depois de terminados os seus estudos, fez ainda formação em masterclasses com Dmitri Bashkirov, León Fleisher e a portuguesa Maria João Pires.
Nos anos 1990, começa a ser premiado e a destacar-se em concursos de piano em importantes festivais. Possuidor de uma “técnica impressionante”, era um “solista sincero”, como descreve Léopold Tobisch, do canal France Musique. O diário parisiense Le Figaro lembra que foi rapidamente adoptado pelo meio musical francês (ali gravou grande parte dos seus registos), embora se tenha notabilizado internacionalmente no início deste século. Já em Janeiro de 2001, a crítica do PÚBLICO Cristina Fernandes considerava-o um “nome obrigatório” a ver na Festa da Música desse ano.
Segundo a publicação espanhola Scherzo, era especialista em repertório clássico e romântico e tocou todas as sonatas de Beethoven, tendo interpretado algumas delas na Festa da Música de 2005, em Lisboa. Interessava-se também por Rachmaninov, Prokofiev, Bartók, Ravel, Chostakovich, Stockhausen ou Pierre Henry. Foi exactamente para interpretar Excertos de Estudos-quadro op. 39, de Rachmaninov, e Sonata para Violino e Piano nº 2 em Ré maior op. 94, de Prokofiev, que esteve em Portugal em Abril de 2001 para a segunda edição da Festa da Música, no Centro Cultural de Belém, onde também tocou Trio para Violino, Violoncelo e Piano nº 2 em Mi menor op. 67, de Shostakovitch.
Voltaria aos palcos portugueses em Outubro de 2002 para o Festival de Mafra, com o PÚBLICO a apresentá-lo como “o super-premiado Nicholas Angelich”, que vinha interpretar a integral dos Anos de Peregrinação, de Franz Liszt, em três recitais. De novo regressaria a Portugal nos 50 anos da Orquestra Gulbenkian; no mesmo ano, participou também no Festival de Sintra.
Nas redes sociais, vários músicos e outros agentes do meio estão a reagir às três mortes que em meras 48 horas abalaram o ecossistema da música erudita, assinala o Figaro, citando o pianista Philippe Cassard, por exemplo, que declarou a sua “imensa tristeza” perante a ascensão dos dois colegas de instrumento “ao paraíso dos pianistas”. O compositor e maestro finlandês Esa-Pekka Salonen manifestou uma “tristeza inimaginável”, e o importante pianista russo-alemão Igor Levit lamentou o desaparecimentos de três “gigantes da música”.
Sobre Angelich e Radu Lupu, elogia o pianista francês David Kadouch: “Com eles, o tempo de um concerto não se inscrevia numa cronologia normal, respirávamos com eles, roçávamos os abismos com eles. O nosso coração, a nossa alma uniam-se aos contornos da sua imaginação.”