Atmosfera rarefeita - como alguém descreveu, de forma igualmente despojada: "é mais secção rítmica do que melodia". Uma casa no meio de um campo de milho - algo nos diz que é menos uma casa na pradaria e mais a casa ao cimo da colina de "Psico" (os acordes de abertura, de James Newton Howard, elegante homenagem ao compositor mais famoso de Hitchcock, Bernard Herrmann, é claro que não estão ali por acaso).
Há algo estranho, ali fora, lá dentro de casa, se calhar lá em cima nos céus...
Tudo vai começar pelas crianças - é assim quando o género se avizinha do terror. "Pai!", parecem querer gritar com os olhos (são duas crianças, uma rapariga, um rapaz), "olha" o fenómeno: figuras geométricas, enormes círculos, apareceram, literalmente do dia para a noite, desenhados na vastidão dos campos. Embuste de um grupo de brincalhões ou, como vem dizendo abundante literatura produzida desde os anos 50, quando apareceram os primeiros "desenhos", é a marca de presença extraterrestre? (mas afinal, "Sinais" é terror ou ficção científica?).
Nesta altura, para além do vento começar a soprar de forma estranha, dos cães começarem a ladrar - e, sobretudo, de o silêncio pesar -, começa a tornar-se irremediavelmente singular esta família americana que acabou de ser "visitada": para além das crianças, um pai, um ex-pastor presbiteriano (Mel Gibson) - "ex" porque perdeu a fé ("Não me chamem Padre", diz ele) - e o seu irmão, que é alguém cuja energia anda solta, a um passo do burlesco (Joaquin Phoenix).
Falta uma mulher, a esposa, a mãe, neste retrato. Ficamos a saber que por causa da morte dela Mel Gibson deixou de acreditar. Olha-se para Gibson: como é um filme de M. Night Shyamalan, é impossível não confirmar que tem a paralisia catatónica que Bruce Willis revelou em anteriores filmes do realizador ("O Sexto Sentido", de 1999, e "Unbreakable", de 2000). É alguém depois da catástrofe. E como Willis - como as personagens masculinas dos filmes de Shyamalan -, Gibson é uma figura de puritanismo, sem pulsão, sem libido.
Por esta altura, esta família austera (infértil?) já se encerrou dentro de casa, pregou tábuas de madeira em portas e janelas e ligou a TV para presenciar no pequeno ecrã a invasão extraterrestre (as crianças já convenceram os adultos a usar capacetes de metal para impedir os alienígenas de ler o pensamento dos humanos). E assim de "Encontros Imediatos do Terceiro Grau" se passa a "War of the Worlds", de H. G. Wells (e que tal este delírio: um cruzamento entre "Encontros Imediatos..." e "Diário de um Pároco de Aldeia", de Bresson?), e, à medida que as personagens se vão encerrando em partes cada vez mais pequenas da casa, a "Os Pássaros", de Hitchcock ou "A Noite dos Mortos Vivos", de Romero. Confirmando, ou tornando mais visível, aquilo que tem sido marca meticulosa do cinema de M. Night Shyamalan: trabalhar a partir de ideias e de histórias típicas dos filmes de série B de uma qualquer emissão televisiva nocturna - história de fantasmas em "O Sexto Sentido"; heróis de BD em "Unbreakable" -, misturando os géneros e contando uma outra história, que tem sido a mesma: a sinalização de uma "presença", uma hipótese de revelação, "qualquer coisa". O "I see dead people" de "O Sexto Sentido", que resumiu de forma tão perfeita o cinema do realizador, poderia continuar a ser usado para promover os filmes seguintes, com variações - "continuo a ver pessoas mortas" em "Unbreakable"; agora, "eles vêem homenzinhos verdes".
os pássaros e o etNo caso da obra de Shyamalan, a presença tutelar que se tem detectado é a do realizador de "Encontros Imediatos do Terceiro Grau" (em "Sinais", por exemplo, está o "anúncio feito" a uma família incompleta, como em "Encontros Imediatos..."). No passado Verão a revista Newsweek anunciou ao mundo um novo Spielberg. Percebe-se, porque segundo diz Shyamalan, Spielberg é o seu mestre; percebe-se, ainda, por coincidências de biografia; pela coabitação, em ambos, de pólos contrários: o "manipulador" e o realizador "sério".
De facto, Shyamalan e os seus filmes parecem habitar um fuso horário estranho, anacrónico. Recusam a espectacularidade, em favor da abstracção clássica. Trabalham de forma tão meticulosa os pormenores e os silêncios, que às vezes correm o risco do preciosismo ensurdecedor. Pelas suas "fontes" (a série B), parecem, enfim, uma reedição do passado. Mas trata-se de uma reedição com mudanças (e não simples "remake") dos tempos de afirmação de Spielberg, da sua obra até "ET". Shyamalan foge da luz, que Spielberg deixou entrar (quem conheceu o argumento de "Night Skies", versão bem mais negra de "ET" que Spielberg abandonou, diz que faz lembrar "Sinais"). E não "resolve" o seu filme, como Spielberg procura sempre de forma ofegante, de tal forma que, para alguns, "Sinais" pode pairar num frustrante anti-clímax, à beira do vazio.
Mas reformulemos: o vazio é que fica a crescer depois do filme acabar. Como o final de "Os Pássaros", de Hitchcock? (mudando de realizador, mas continuando no grupo dos puritanos). Sim, como nesse filme, que Shyamalan deu a ver à equipa, o mecanismo é tão perfeito, que o filme não pode ser só sobre aquilo que parece ser. Com a utilização tão rarefeita das regras do "entertainment" e da manipulação, Shyamalan deixa o campo aberto à metafísica. Disse-se em relação ao filme Hitchcock: "'Os pássaros' não é um filme sobre pássaros". É uma questão de no lugar das aves colocar o ET.