O Céu Não É para Todos

Começa por ser intrigante (com toques de suspeição): um argumento do polaco Krzystof Kieslowski, escrito com a colaboração habitual de Krzystof Piesiewicz; produção da americana Miramax, com os nomes de Sidney Pollack e Anthony Minghella a ajudarem ao serviço e a contribuírem com a parte de "prestígio"; um realizador alemão, Tom Tykwer, e dois actores de carreira americana, Cate Blanchett e Giovanni Ribisi (um nome do circuito independente, com algumas incursões em projectos de maior visibilidade, como "O Resgate do Soldado Ryan").

Para completar os receios de misturada (muito europeia), acrescente-se: é falado em inglês e rodado em Itália.

E assim o céu, "Heaven", foi oferecido a um jovem cineasta alemão, para quem cinema é sinónimo de "cool" (foi ele que o disse, enchendo os compatriotas, que o consideram "Germany's hottest export", de orgulho). A ele a produtora americana entregou um de três argumentos que o polaco Kieslowski deixou pronto a filmar, antes da sua morte. Se prosseguir a trilogia, a seguir a "Heaven"/ "Por amor" virão, é claro, o "Purgatório" e o "Inferno".

É fácil perceber que, depois do sucesso de "Corre, Lola, Corre" (1998), Tykwer fosse visto como a "next big thing". Pertence à geração pós-videoclip, alia uma confiança absoluta no cinema como exibição de proezas técnicas à demonstração de um "universo" - povoado por heróis românticos, condenados e em fuga às contrariedades da existência. Alguém, a Miramax, terá achado que o "destino" deveria juntar o alemão ao polaco. Para resumir: a meticulosidade clínica de Kieslowski foi insuflada de metafísica primária e grandiloquente pelo alemão.

Cate Blanchett/Philippa, professora, planeia um ataque bombista em Turim para se vingar de um traficante de droga. Philippa é bombista desesperada: falhou o alvo, mas matou quatro inocentes.

Giovani Ribisi é um "carabiniere" que entra na história como tradutor de Philippa no seu interrogatório. Acaba por ser o seu salvador, montando um plano para ela ganhar as asas da liberdade. Com ele, que se chama, sim, Philippo.

O pessimismo moral (Kieslowski) cedo é vencido pela fábula sobre "o poder do amor" (Twyker). Philippa e Philippo são como os pares dos filmes de Twyker (é conferir ainda em "The Princess and the Warrior"), sozinhos, puros, acossados num mundo mau. O simplismo é adolescente, mas não ficaria mal num filme de aventuras despretensioso; o problema é que não faltam pretensões a Twyker: duas personagens como metades do mesmo ser, uma identidade espiritual una, assexuada - Blanchett, como sempre, um caso incrível de fotogenia, mas emocionalmente esfíngica; Ribisi pré-adolescente, como um feto. Os dois estão à solta no Paraíso, a paisagem italiana, e sobem, sobem (de helicóptero) até ao céu. O filme desaparece com eles.

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