Portugal quebrou pacto fundador do euro É oficial: Portugal tornou-se no primeiro país da União Europeia (UE) a quebrar o compromisso de disciplina orçamental assumido por todos os membros da moeda única com o pacto de estabilidade e crescimento para o euro (PEC). Com um défice orçamental relativo a 2001 equivalente a 4,1 por cento do PIB (Produto Interno Bruto), o país ultrapassou de forma muito significativa o limite máximo de 3 por cento fixado tanto pelo Tratado da UE como pelo PEC. Mesmo sendo o défice de 2001 uma herança do Governo socialista, a equipa de Durão Barroso passou a ter a responsabilidade da situação, ficando obrigada a corrigi-la no prazo de um ano, se quiser evitar que o país seja penalizado com uma multa que, em função do desvio constatado, poderá ascender a 380 milhões de euros. Este será, no entanto, o último passo de um longo processo de vigilância da economia portuguesa que dará ao país várias oportunidades para colocar o défice em valores abaixo dos 3 por cento. O valor oficial do desequilíbro das contas públicas torna ainda mais difícil Portugal cumprir o compromisso que assumiu há apenas um mês junto da UE de colocar o orçamento "próximo do equilíbrio" - com um défice praticamente nulo - em 2004. Igualmente difícil será o cumprimento da promessa feita pela ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, junto dos seus parceiros da UE de reduzir, este ano, o défice para 2,8 por cento do PIB. A ministra, no entanto, garantiu ontem que este objectivo será cumprido. Ao violar o tecto de 3 por cento do PEC, Portugal quebrou um tabu. O seu exemplo poderá, aliás, constituir um precedente para que outros países em dificuldade para cumprir o compromisso de 2004, sobretudo a França e a Itália, relaxem, por seu lado, a disciplina orçamental. Logo que a derrapagem portuguesa for notificada a Bruxelas - o que poderá acontecer ainda hoje - os "Quinze" terão de lançar o procedimento dito dos "défices excessivos" previsto no Tratado da UE e no PEC para corrigir os desequilíbrios constatados. Este procedimento tem início com uma análise aprofundada da situação nacional por parte da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, que terá de produzir, em Setembro, um relatório dirigido aos ministros das Finanças dos "Quinze". Estes dispõem de um prazo de três meses para decidir, por maioria qualificada, se estão ou não perante um défice excessivo em Portugal, o que, dada a amplitude do desvio face ao tecto de 3 por cento, deixa pouca margem para dúvida. Se assim for, os ministros endereçarão uma "recomendação" ao Governo para "tomar medidas eficazes" no prazo de quatro meses. Mas o PEC prevê especificamente que a avaliação do carácter "eficaz" das medidas nacionais será feita em função das "decisões anunciadas publicamente pelo Governo" em causa. Esta disposição significa que as medidas de austeridade - nomeadamente o aumento do IVA e de redução das despesas públicas - aplicadas pelo Governo no orçamento rectificativo de Junho e na lei de estabilidade orçamental, possam ser consideradas "eficazes". Esta recomendação precisará igualmente que a correcção da situação de défice excessivo "deverá ser realizada no ano seguinte à sua identificação". Se, pelo contrário, os "Quinze" considerarem que não foram tomadas "medidas eficazes", enviam um "notificação" ao país para corrigir rapidamente a situação. No caso extremo em que todos estes avisos sejam ignorados, os Quinze não terão alternativa senão iniciar o processo das sanções previsto no PEC. Para começar, exigirão do país um depósito não-remunerado junto da Comissão Europeia, cujo valor é calculado em função do desvio entre o défice registado, ou seja, 380 milhões de euros. Este montante poderá ser devolvido se a situação de défice excessivo for corrigida no prazo de dois anos. Caso contrário, será convertido em multa definitiva, cujo produto reverte para o orçamento da UE. Do mesmo modo, um eventual incumprimento das recomendações europeias poderá provocar a suspensão dos pagamentos do fundo de coesão comunitário que financia infra-estruturas de transportes e ambiente e que representa 3 mil milhões de euros de transferências da UE entre 2000 e 2006. Isabel Arriaga e Cunha (PÚBLICO), em Bruxelas |
Défice orçamental de 2001 foi de 4,1 por cento
Numa declaração dramática, a ministra das Finanças anunciou os resultados dos trabalhos da comissão Vítor Constâncio e pediu uma "atitude positiva".
A comissão foi formada para dar corpo à promessa eleitoral do primeiro-ministro de realizar uma auditoria profunda às contas públicas, para apurar o verdadeiro défice orçamental de 2001. Dadas a dificuldade consensualmente reconhecida de a levar a cabo, optou-se por nomear a comissão presidida pelo Banco de Portugal, cujo relatório foi entregue ontem.
Para o Governo, o défice estimado tem "consequências graves" para o país. Manuela Ferreira Leite frisou as dificuldades "no plano externo", sem entrar em pormenores. Mas mostrou-se optimista, ao prometer "agir rapidamente para restaurar a credibilidade". "Não nos assusta porque tem solução", afirmou a ministra. "Temos a firme convicção de que vamos ultrapassar" a situação criada.
A ministra salientou, contudo, a tarefa "profunda, violenta" que será apertar as contas públicas este ano, com vista a reduzir o défice dos 4,1 por cento de 2001 para 2,8 por cento em 2002, tal como foi já assumido como compromisso deste Governo.
"É um momento em que todos devemos assumir as nossas responsabilidades" e ter "uma atitude positiva para este esforço nacional", afirmou Manuela Ferreira Leite. Essa atitude é pedida aos sindicatos e empresários, que, como afirmou, "devem mais que nunca fazer um esforço de compromisso e concertação", com vista a "um acordo social". No espectro político, o Governo apelou ao PS para se mostrar à altura.
A par do seu envio para Bruxelas, o Governo vai pedir ao presidente do Parlamento para convocar a comissão permanente com vista à apresentação do relatório, que será igualmente enviado ao Tribunal de Contas.
3,6 por cento, diz o PSO Partido Socialista (PS) chama a atenção do Governo para defender em Bruxelas um défice de 3,6 por cento do PIB, uma vez que esse seria o valor estimado com base na metodologia seguida habitualmente, refere uma nota ontem distribuída. Por um lado, porque Portugal obteve uma derrogação para a contabilização das receitas fiscais incobráveis e, por outro, porque "os valores agora apresentados relativamente às dotações de capital parecem seguir um critério mais exigente e diverso do que tem sido aplicado por outros países". Sem querer transformar esta questão numa "polémica interpartidária", o PS assume o valor de 3,6 por cento como "défice excessivo" e "as responsabilidade do seu Governo, nomeadamente a incapacidade de prever que a fronteira dos 3 por cento pudesse ser ultrapassada", apesar de medidas de contenção tidas como "insuficientes".