No princípio era a marioneta. Em 1994, com "Ace Ventura: Detective Animal" (1994) o burlesco americano foi tomado por um electrizante caleidoscópio de energias. A extensão da lista das influências - insistiu-se particularmente em Jerry Lewis - era significativa: a natureza de Jim Carey era ser todas elas, embora a velocidade fosse só deste tempo. Não necessitava de efeitos especiais; era um efeito especial (em "Ace Ventura" "rebobinava-se" como uma cassete que chegara ao fim). Ferozmente sexuado e selvagem.
Depois, quiseram dar-lhe uma alma (sobretudo, fazer desaparecer o molde de plasticina que tinha como cara e que ameaçava, permanentemente, desfazer-se). Ou então ele sentiu-se obrigado a encontrar uma, como um forçado Pinóquio dos tempos modernos.
Para que se deixasse de falar em Jerry Lewis, começaram a vesti-lo como James Stewart nos filmes de Frank Capra. O romantismo "retro" do guarda-roupa e as escolhas de "art design" suavizavam o que antes era agressão. E ele começou a ser filmado como um recém-nascido, bebé que despertava para a sua humanidade. Em "The Truman Show", por exemplo, parecia dormir num estado virginal (mas, passando-se o filme numa realidade manipulada, Truman era uma espécie de bebé-proveta e nunca se sabia que monstros é que iriam ser acordados; não estava tudo domado, felizmente, a personagem e o filme continuavam a respirar a misantropia, até mesmo a misoginia, associadas à "persona" cinematográfica de Carrey).
"The Truman Show", no fundo, explicitava do drama da carreira de Jim Carrey. O filme contava a história de uma estrela (de um "show") que abandonava o mundo artificial onde era manipulado (como uma marioneta) para se realizar como homem livre. Com esse filme, Jim também quis deixar para trás o comediante e realizar-se (e dar provas) como actor. Mas não lhe deram o Óscar.
O momento mais significativo, contudo, foi outro: "Homem da Lua", de Milos Forman. Aí a marioneta tomava consciência, num "face a face" terminal e quase monstruoso, que provavelmente não havia nada - moral, verdade, realidade ou redenção - para além da ficção. Porque podia haver tudo, porque tudo era ilusão. Carrey ficou mesmo a balançar na corda bamba, provavelmente foi tão longe quanto poderia ter ido. E não lhe deram o Óscar.
E continuou, então, a agarrar-se aos fatos e cenários dos filmes dos anos 30 e 40. "The Majestic", de Frank Darabont, é outro sinal do "complexo de Capra" que persegue Jim Carrey.
Agora ele é um argumentista em ascensão em Hollywood, no ano de 1951, Peter Appleton. Um filme para o qual ele escreveu o argumento acabou de ser estreado: uma aventura exótica de série B, onde debuta como "starlet" a namorada. Uma série inesperada de acontecimentos (como se diz) vira do avesso o mundo de Peter. A "série inesperada de acontecimentos" é a Caça ás Bruxas lançada pelo Comité de Actividades Anti-Americanas. Peter é acusado de simpatias comunistas.
Vem a noite escura e turbulenta em que tudo parece desabar - e desaba. Debaixo de uma tempestade, Peter perde o controle do carro e despenha-se de uma ponte. Quando ganha consciência, perdeu a memória, e entrou dentro de outro filme: vai dar a uma comunidade onde todos o tomam por um herói da II Guerra, Luke Trimble, dado como desaparecido há oito anos. O pai de Luke assegura que reencontrou o filho, e a alegria leva-o a reabrir o cinema local - o Majestic do título -, que encerrara anos antes com a tristeza. Os néons voltam a iluminar-se na capela da fantasia, e a "magia do cinema" (como se diz) espalha-se.
Peter é mesmo Luke? Será que Luke passou a última década da sua vida com a vida errada, de Peter? Não é nada que a ficção e a fantasia não possam remendar. Sim, com Frank Darabont é preciso pedagogia. O cinema - a "magia" - é remédio para normalizar o caos (esquece-se que Capra, em cujo legado ele muito fala, foi o realizador de comédias delirantes, onde montou mundos invertidos?). Por aqui, como nos anteriores filmes do realizador, "Os Condenados de Shawshank" ou "The Green Mile", a nostalgia, o saudosismo são um género em si, pronto a vestir. Custa a acreditar que Darabont acredite que a sedução do anacronismo é questão de guarda-roupa.