Sobre ele se tem escrito - e ultimamente, muito - que é um dos casos mais interessantes do "jovem cinema francês". Para começar, essa é uma categoria em que ele não se quer enquadrar. "Não sinto que pertença a um grupo particular", disse numa entrevista. "Talvez sinta uma ligação aos jovens cineastas, mas já fiz cinco longas-metragens, por isso não sou assim tão novo. Não sei qual é o meu lugar, na verdade. Acho que não tenho um lugar. Não quero ter. Para muitas pessoas sou um iconoclasta. Não sabem exactamente onde estou. Por isso é que perturbo. As pessoas não sabem o que esperar".
O que torna interessante o "caso" Ozon, então, é a dificuldade em identificar, com segurança, de que lado é que ele está, se do cinema de "autor" (os seus filmes até têm "temas" recorrentes, mas ele tem aversão a "intelectualizar", diz que ficou "vacinado" na faculdade) ou do cinema "comercial" (o último, "8 Femmes", onde dirigiu outras tantas estrelas francesas, foi lançado com uma monumental campanha de marketing e é um fenómeno de público). Ozon parece querer manter-se equidistante entre os dois extremos, de forma dócil, perversa: sem as típicas angústias de artista (faz questão de dizer que cinema é cinema e vida é vida, e quando um acaba a outra começa) e ao mesmo tempo não deixando de desconfiar do sistema que aproveita ou que o beneficia.
A perversidade, aliás, é uma forma de estar do cineasta Ozon, 34 anos. E a aparente frivolidade. Uma coisa tem a ver com a outra. Antes de realizar a primeira longa-metragem, "Sitcom", há quatro anos, vinha-se distinguindo por uma série de curtas provocatórias, como "Une Robe d'eté" (1996), em que um vestido era o objecto de fétiche para três adolescentes, ou "Scènes de lit" (1997), colecção de vinhetas antes e depois do sexo. Mas em "Regarde la mer" (1997), um thriller, a tranquilidade do mar já ameaçava a frivolidade, como anos depois a longa-metragem "Sob a Areia".
A primeira longa, "Sitcom" (1998), era uma comédia "camp", homenagem a John Waters, em que o sexo em grupo ou o sadomasoquismo (sobretudo a família, a infernal família) eram olhados de forma blasé (surpreendente, depois da gravidade de "Regarde la Mer"). Seguiram-se "Les Amants Criminels" (1998) e "Goutes d'Eau sur pierres brûlantes" (1999), jogo e homenagem a partir do universo de Rainer Werner Fassbinder, com quem Ozon partilhará alguma da temática, nomeadamente a das relações amorosas como relações de poder (mas já não partilhará, por exemplo, a violenta confusão entre cinema e vida, entre relações profissionais e sentimentais que alimentou a obra do alemão).
Depois, foi o momento de viragem, "Sob a Areia" (2000), recebido de forma unânime pela crítica e pelo público e aparentemente distante de anteriores divertimentos perversos. De repente, adquiria aquele estatuto de "darling" do "mainstream" de que gozaram, numa fase tardia da sua carreira, Bergman ou Buñuel. Entretanto, voltou ao "camp" com "8 Femmes", as suas estrelas favoritas (não só as vivas, Huppert, Deneuve, Ardant, também as mortas, como Romy Schneider), os seus "guilty pleasures", como a fotografia e o guarda-roupa do cinema americano dos anos 50, e o "kitsch" foi adoptado pela burguesia francesa, que a tornou sucesso de bilheteira.
O que é que há de comum em tudo isto? A inconstância, dir-se-á. Sobretudo o facto de muitas das narrativas acontecerem a partir de um desaparecimento, concretamente a de uma figura paterna (a de "Sob a Areia" tem mesmo a ver com memórias longínquas de férias de Verão em família, de tal forma que o realizador planeia uma versão em DVD que incluirá alguns filmes familiares). Até se pode pegar numa declaração dele - que diz que quis "romyschneidarizar" Charlotte Rampling - e descobrir um vínculo afectivo que possa ligar a gravidade de "Sob a Areia" ao disparate pegado de "8 Femmes". Mas é mais misterioso do que isso: uma espécie de impassibilidade nas imagens, como se nada ali tivesse densidade (logo, facilmente confundida com frivolidade); uma tranquilidade inquietante, uma reserva. Ozon responde à maneira: diz que todo esse minimalismo se deve ao facto de ter feito muitas curtas-metragens.