A dupla Agnès Jaoui/Jean-Pierre Bacri tem-se feito notar pelas suas colaborações com Alain Resnais - quer em "Smoking / No Smoking" quer em "On Connaît la Chanson"/ "É sempre a mesma cantiga", foi o casal quem assinou o argumento. "O Gosto dos Outros" marca o momento em que Jaoui e Bacri ganham as suas próprias asas: são os autores do argumento, Jaoui realiza, e tanto ela como Bacri se contam entre os muitos actores do filme.
O resultado será apenas um "argumento filmado", acusação recorrente a "O Gosto dos Outros"? Não, definitivamente não, tanto quanto sim, definitivamente sim, se esquecermos as conotações negativas normalmente acarretadas por tal qualificativo.
Não, porque o filme possui uma vibração "concreta" e quase táctil que lhe vem da gestão dos tempos, da articulação da energia dos actores, e até da montagem (tinha que vir daí também, num filme com tanta gente e tanto espaço); sim, porque libertos, por assim dizer, das "circonvoluções" do cinema de Resnais e das marcas próprias do veterano cineasta, "O Gosto dos Outros" vive numa espécie de "limpidez" capaz de revitalizar não só o "cinema de argumento" como algumas das tradições mais populares - e há mais tempo em crise - do cinema francês.
No fundo, era já isso que se pressentia em "On Connait la Chanson", o que não deixou de ser notado; mais simples, mas nem por isso mais simplório, "O Gosto dos Outros" reencontra com superior inteligência o cariz popular e o tom de comédia de "boulevard" que tão cultivado foi (e pelos melhores, Renoir incluido) pela cinematografia francesa. Cinema popular "de autor"? Por uma vez, pelo menos, a expressão parece voltar a fazer sentido.
Qualquer coisa de especial. Percebe-se que há qualquer coisa de especial em "O Gosto dos Outros" logo pelo primeiro plano. Duas personagens (o guarda-costas e o motorista de Castella, o industrial saloio interpretado por Bacri) à conversa, sobre qualquer coisa que nem sequer se chega a perceber muito bem, e sem que ainda saibamos quem eles são nem qual o seu estatuto na narrativa.
É como se o plano fosse uma peça de um "puzzle", e toda a primeira secção do filme, onde se expõem personagens e se esboçam os primeiros indícios do que virá a ser a "intriga", funciona um bocadinho assim: cada parte é apenas uma maneira de chegar ao todo, ao conjunto; e é pelo conjunto, de personagens e de situações, que funciona: diversas pequenas histórias orbitando em torno da "grande" história (a atracção de Castella por uma actriz de teatro, também sua professora de inglês, interpretada ela pela improvável Anne Alvaro), tão autónomas dela como simultaneamente suas rimas e seus comentários.
Que, numa estrutura narrativa com tantas linhas, paralelas ou cruzadas, nunca se sinta uma nota em falso, nada apareça como acessório ou "a mais", ao mesmo tempo que nada aparece como demasiado importante para se sobrepôr ao conjunto, eis o sinal inequívoco de que em "O Gosto dos Outros" existe alguma mestria que ficou longe de se esgotar no argumento.
Dizer isso, falar de "cinema de argumento" e falar da importância do conjunto, é dizer o óbvio: que este é também um cinema de personagens, e que a galeria delas é absolutamente notável, no misto de pequenas fraquezas e pequenas forças que caracteriza cada uma. Evitam-se os clichés, ou melhor, joga-se com eles; dir-se-ia, por exemplo, que o trajecto da personagem de Castella é o caminho que o arranca do cliché do pato bravo abrutalhado para o trazer para uma dimensão mais complexa (e é fundamental a cena em que impõe ao gosto da mulher, decoradora de interiores, o seu gosto recém adquirido pela "arte moderna"). E, como na mais nobre tradição do cinema "humanista" e no célebre diálogo renoiriano sobre "toda a gente ter as suas razões", o olhar que se lança sobre as personagens abdica de quaisquer julgamentos: todas são, nas suas desarmantes fragilidades, igualmente compreendidas e igualmente acarinhadas pelo olhar de Agnès Jaoui. Que tem um plano-epílogo, já depois de a narrativa se ter "resolvido" (curiosamente, numa representação de "Hedda Gabler", tal como no "Esther Kahn" de Desplechin), que serve de derradeiro comentário a tudo o que se passou e possui um inesperado poder exaltante: é quando uma pequena filarmónica toma o ecrã para dizer que "não, ninguém lamenta nada".