O escritor José Luís Peixoto, de 27 anos, foi o vencedor, com o romance "Nenhum Olhar", da segunda edição do Prémio Literário José Saramago, ontem atribuído pela Fundação Círculo de Leitores, em Lisboa. Este prémio, no valor de cinco mil contos, destaca, no universo dos países da lusofonia, uma obra de ficção, em língua portuguesa, escrita por um autor com menos de 35 anos. "Para mim é mais fácil lidar com a desilusão do que com esta alegria enorme que sinto", disse o galardoado na entrega do prémio, acrescentando que "até ao último minuto quis acreditar que não iria ganhar". Peixoto lembrou que uma das primeiras f+brecensõesf-b ao seu livro apontava-o como familiar ao "Levantado do Chão", de Saramago.
O escritor disse, ao PÚBLICO, que nestas situações "não sabia muito bem o que dizer", mas que "é um honra", também por ficar ligado ao nome de José Saramago: "Foi uma surpresa ter ganho, tanto mais que tinha estado na "short list" do Grande Prémio APE e perdi". Peixoto disse que o seu próximo livro "vai afastar-se do universo rural de 'Nenhum Olhar', embora não estabeleça uma ruptura com o mundo onde nasceu".
José Luis Peixoto é um dos nomes mais reconhecidos da novíssima geração da literatura portuguesa, bastante saudado pela crítica. Foi uma das revelações do ano passado, numa colheita que deu também duas excelentes obras: "A Baía dos Tigres", de Pedro Rosa Mendes, e "A Casa do Diabo", de Mafalda Ivo Cruz.
Dois livros de ficção chegaram para José Luis Peixoto ser aceite no meio literário: "Nenhum Olhar" (Outubro de 2000) e "Morreste-me" (Fevereiro de 2001), ambos editados pela Temas e Debates. O Prémio Literário José Saramago vem agora consagrá-lo como um dos maiores autores portugueses da nova geração e possibilitar o alargamento do núcleo já forte dos seus leitores. São dois livros marcados pelo regresso ao Alentejo, espaço de nascimento e de criatividade do escritor. O primeiro, num olhar impiedoso sobre um tempo sem Deus, onde existe "uma solidão eterna e irremediável", onde os homens possuem nomes bíblicos e as mulheres não têm nome. O segundo, uma narrativa "meticulosa e convulsiva" sobre a morte do próprio pai.
"Nenhum Olhar" é "um livro no qual Deus não existe. Nem existe tudo o que é Deus: a esperança e a fé em algo maior", disse o autor numa entrevista ao PÚBLICO (edição de 21/10/00). Mas acrescenta que "existe o divino: as grandes forças da natureza, o sol, o dia, a noite, a manhã."
Para Peixoto, "Nenhum Olhar" é o reflexo dessa ausência de Deus: "Não há nenhum olhar sobre nós. O Homem está sozinho e perdido. Mas, paradoxalmente, existirá uma força maior no livro que inclina o Homem para uma decadência progressiva".
A força deste livro, como escreveu Eduardo Prado Coelho (PÚBLICO, 7/10/00) reside "no modo como narra histórias que se dobram para dentro da sua própria loucura e no fio puríssimo de luz com que as vai reunindo e salvando do esquecimento. Tudo acaba, incluindo a escrita. Mas no limite de tudo acabar, acaba também a própria morte, e entra-se num espaço inaudito e impensável: 'o infinito era o infinito de não ser nem infinito nem nada'".
Na referida entrevista, Peixoto acrescenta: "Acredito que não se pode escrever sobre aquilo que não se conhece bem. E o Alentejo será sempre o sítio de onde sou, não o sítio onde estou, mas de onde sou, tornei-me naquilo que sou lá. Nesse aspecto foi o espaço mais evidente para a acção decorrer".
José Luis Peixoto nasceu em Galveias, distrito de Portalegre. É licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade Nova de Lisboa. Deu aulas no ensino secundário, em diversas cidades portuguesas e em Cabo Verde. O seu percurso literário iniciou-se no "DN Jovem". Foi vencedor do Prémio Jovens Criadores do Instituto Português da Juventude nos anos de 1997, 1998. Em 2000, tinha já publicado vários conjuntos de poemas, nos cadernos Átis, além da referida ficção breve "Morreste-me", dada à estampa em Maio de 2000, numa edição de autor. Hoje, dedica-se exclusivamente à escrita, enquanto ficcionista e crítico literário.
Entretanto, numa passagem pelo teatro, Peixoto surgiu com uma peça, "Lisboa-Zagreb", escrita em conjunto com Vanja Ratkovic, para um espectáculo integrado no projecto "Uma Mesa Duas Cadeiras" que decorreu em Lisboa e no Porto, no início deste ano. Igualmente na poesia, a sua voz faz-se ouvir agora com a publicação, nas edições Quasi, do livro "A Criança em Ruínas".
A reincidência na escrita teatral está também prestes a tornar-se pública, uma vez que a sua mais recente peça, "Rimbaud, as Palavras Através do Fogo", tem estreia prevista para o próximo dia 29 de Outubro, no auditório do Instituto Franco-Português.
"Nenhum Olhar" despertou a curiosidade e o interesse de variados editores e leitores estrangeiros. Faz já parte do programa da cadeira de Literatura Portuguesa na Universidade de Santiago de Compostela, na Galiza, e está, neste momento, prestes a ser publicado em Espanha, onde será lançado durante o Perfil de Portugal, em Madrid, que se realizará no próximo mês de Novembro. A publicação em espanhol terá a chancela da editora basca Hiru. Também em Itália, "Nenhum Olhar" está em fase de tradução e irá ser lançado pela editora La Nuova Frontiera.