Francisco Assis defende que PS devia trabalhar com o PCP tal como ele é
P. - António Guterres quer engolir os dez por cento de eleitores à esquerda do PS. Concorda?
R. É o aspecto onde eu acho que há uma lacuna na moção do secretário-geral e direi isso no Congresso. António Guterres limita-se a enunciar um problema e não tanto em propor uma solução. Um problema que é real e que se coloca à esquerda: há dez por cento da esquerda que tem representação ao nível parlamentar mas não têm representação a nível da governabilidade. Isso introduz assimetrias no sistema político e prejudica a esquerda. E basta haver uma aliança à direita para percebermos exactamente as consequências negativas para uma política que se situe à esquerda. Depois da queda do Muro, da desintegração da União Soviética, da falência do modelo marxista-leninista, acho que o PCP, não querendo mudar intrinsecamente, já mudou a sua posição na sociedade. Assim, devemos ter com os comunistas uma relação que é esta: eles são como são, têm as posições que têm e ainda a identidade que têm, evoluirão como evoluirão, não está ao nosso alcance determinar a maneira como vão evoluir. Agora o que penso é que deve haver um diálogo duro, sério, muitas vezes difícil. Como fazemos às vezes aqui na Assembleia da República e, por isso, já garantimos a aprovação de algumas coisas, a reforma da segurança social e a reforma fiscal. Se está demonstrado que ainda não é possível um entendimento geral de incidência governativa com este PCP a verdade é que já é possível estabelecer alguns acordos com vantagens.
P. E ao nível das autarquias?
R. Não vejo nenhuma razão para o PS ter uma atitude, em meu entender, exageradamente fechada que é a de dizer: coligações com o PCP só em Lisboa. Porquê só em Lisboa? Deveríamos pelo menos equacionar a possibilidade de realizar acordos com o PCP noutras zonas do país.
P. Onde?
R. Admito que no Porto, não na cidade, mas no distrito do Porto e na Área Metropolitana, se possa colocar essa questão. Lembro-me de Gaia, Valongo e Gondomar, são três casos onde hipoteticamente a questão se poderá colocar e se, porventura, essa questão se colocar não temos hoje nenhuma razão para não fazermos acordos com o PCP. Acho mais, acho que há vantagens tendo em vista abrir as portas para entendimentos mais vastos. Outro caminho é ver quais as áreas do programa do Governo que podem ser aprovadas com o PCP, que reformas, por exemplo, na área da saúde podem ser aprovadas com o PCP, na área da administração pública e organização do Estado. Isso terá efeitos na resposta do PCP. Senão corremos o risco de, daqui a alguns anos, continuarmos a dizer que não há condições para uma coligação e a direita estará reorganizada.