A Hora Mágica

Se ao falar-se de Robert Benton mais como "o realizador de Kramer Contra Kramer" (1979) do que como "o argumentista de Bonnie and Clyde" (1967), então é porque se passa ao lado do que pode ser essencial. Esquece-se, por exemplo, aquilo que iria levar à singularidade de tom da estreia na realização de Benton, "Bad Company" (1972) e, sobretudo, do filme seguinte, "The Late Show" (1977): ou seja, o facto de o texano Benton ter deixado o seu lugar de "art director" da Esquire, quando o argumento que escreveu, de parceria com David Newman, sobre Bonnie e Clyde, foi finalmente entregue a Arthur Penn, no momento do crepúsculo da Hollywood clássica - as balas que estilhaçavam os corpos de Warren Beatty e Faye Dunaway estavam lá para mostrar o estertor. Depois de "Bonnie and Clyde", ficaram os que não tinham outro remédio senão experimentar o sabor da acidez (como Mankiewicz, para quem Benton escreveu "There Was a Crooked Man", em 1970) ou os condenados à nostalgia e ao sentimento de perda, como Peter Bogdanovich, para quem Benton escreveu "Whats Up Doc" (1971). É por isso que os dois adolescentes que atravessavam um "western" (género americano por excelência que já tinha sido abatido nessa altura) chamado "Bad Company" nunca estavam à altura dos seus sonhos e das suas proezas, como não estavam, em "The Late Show", o velho detective privado (Art Carney) que investigava a morte de um colega ajudado por alguém, uma mulher, ainda mais falhado do que ele (Lily Tomlin). Dir-se-á que o trabalho de Benton começou a existir, desde o princípio, depois do fim, num espaço assombrado por estereótipos que ficaram a pairar, e onde só a ironia calorosa permite sobreviver àquilo que, como nos romances de James Ellroy, é letal e arrasador: o "espírito do lugar. No caso, a memória do esplendor de Hollywood. Veja-se este estimável "A Hora Mágica"/ "Twilight", regresso de Benton a Los Angeles vinte anos depois de "The Late Show": começa por ser um percurso nocturno e lúgubre pela arquitectura que em tempos foi abrigo dos deuses. Na história de um detective retirado, marcado pelo álcool e pelo desastre na sua vida privada (Paul Newman) que, por amizade a um casal (Gene Hackman e Susan Sarandon, como ex-lendas do cinema), se envolve no mistério de uma morte, os actores foram obrigados a habitar os "locais do crime": a mansão de Jack Hames (Hackman) e Sarandon (Catherine Ames) no filme pertenceu, em tempos e na realidade, a Cedric Gibbons, célebre "art director" da MGM, e à mulher, a capitosa Dolores del Rio. Mesmo que isso se saiba só pelas notas de produção, a ferocidade da relação que prende o casal, um amor feito de traições e ressentimentos, habita a mesma reserva de mistério, indiscernível, que os intérpretes sentiram no "plateau". Sarandon tem isso no olhar - uma vertigem absoluta de negrume. "Não te incomoda saber que várias pessoas estariam vivas se não fosses tu?", pergunta-lhe o detective. "Todos nós costumávamos ser...", responde-lhe às tantas Sarandon, que permanece espectante no centro do crime que Harry Ross (Newman) vai descobrir. Newman é o detective com uma falha (para além de tudo o mais, levou um tiro numa coxa e muita gente pensa que o tiro foi um bocado ao lado...), é dele a "voz off", como no "film noir" de outros tempos - mas é como se fosse compelido a isso por uma natureza que vive nele mas que ele não controla, tão implacável como os ecos da música de Elmer Bernstein - e a cumplicidade com Verna (extraordinária Stockard Channing), colega de profissão e outras coisas que nenhum dos dois deixa escapar, poderia fazer deles uma dupla de detectives que incorporou com brandura os segredos e os desafios da guerra de sexos dos filmes de Howard Hawks. Mas o que afasta esta Los Angeles crepuscular de uma cinefilia de plástico, ou do "gadget" e do "pastiche" de, por exemplo, "Los Angeles Confidencial" - filme de Curtis Hanson que não percebeu de todo o romance de James Ellroy que adaptou -, é que em vez da citação ou da homenagem estão personagens contemporâneas que transportam os fantasmas de um imaginário e que vivem essa herança como tragédia (Hackman e Sarandon) ou então entregam-se à irrisão do cansaço (Newman). Em qualquer dos casos, a bruma abateu-se sobre elas, e na dimensão "menor" mas justa de um filme como "A Hora Mágica" é isso que parece procurar, entre outras coisas, o trabalho de fotografia de Piotr Sobocinski: filmar os murmúrios que ainda ecoam depois do ocaso de Hollywood.

Sugerir correcção
Comentar