Você Tem Uma Mensagem

Ver "Você Tem uma Mensagem" suscita, desde logo, dois tipos de curiosidade: a consistência das estrelas e a coerência do "remake". Com efeito, por um lado, confrontamo-nos com um par que fizera faísca em anterior comédia sentimental da mesma autora, Nora Ephrom, e por isso partimos para este novo veículo com as expectativas de idêntica "reacção química" entre Tom Hanks e Meg Ryan, capazes de reeditar o sucesso de "Sintonia de Amor", um "remake" exposto e provocado de "O Grande Amor da Minha Vida" (1957), já de si uma segunda versão de "Ele e Ela" (1939), ambos assinados por Leo Mc Carey. Por outro lado, o filme tem a ousadia de revisitar um clássico do género, o famosíssimo "A Loja da Esquina" (1940) de Ernst Lubitsch, história de dois empregados de um mesmo estabelecimento comercial, em Budapeste, que mantêm um amor por correspondência, ignorando as respectivas identidades. O carisma do original provocou duas novas versões, ambas musicais, uma em cinema "In The Good Old Summertime" (1949), com Judy Garland e Van Johnson, e outra nos palcos da Broadway, "She Loves Me", com partitura de Jerry Bock, em 1963, tendo conhecido recente revival já na década de 1990. Como tentativa de actualização, o filme resulta relativamente satisfatório: Nora Ephrom não só passa a acção para os nossos dias como escolhe a hipótese de anonimidade dos encontros na Net e da correspondência por e-mail para servir de cenário à acção, acrescentando-lhe mesmo condimentos específicos da actual sociedade de consumo, ao opor a pequena Shop Around the Corner, livraria de bairro, especializada em literatura infantil, ao gigantismo de uma incaracterística livraria de cadeia (a Fox Books), destinada a abafar toda a concorrência com uma política agressiva de descontos e promoções. E aqui começam os problemas para esta comédia romântica empenhada em superficial abordagem da política de mercado, enquanto tenta, por todos os meios, captar o "charme" do filme anterior, apenas centrado na análise pormenorizada de sentimentos e de fraquezas humanas. Para além de faltar à realizadora a delicadeza do célebre toque de Lubitsch, mestre da elipse e do não explícito, para além de Hanks e Ryan não possuírem a ambiguidade poética de James Stewart e Margaret Sullavan (trata-se de uma constatação, não de qualquer manobra passadista), o argumento comete o erro de abandonar o que constituía o quadro perfeito para a evolução do par, uma plêiade de personagens secundárias, finamente definidas. Pelo contrário, tudo se concentra e se esgota na exploração das vedetas, sacrificando a rábula de Jean Stapleton, quase limitada à história da aventura espanhola, sem qualquer função na economia narrativa, ou ignorando os outros empregados da loja. Para aumentar o desperdício, acrescentam-se novas personagens para interesses amorosos de cada um dos protagonistas, apenas os utilizando como estereótipos caricaturais: a implacável editora editorial e o jornalista antiquado, defensor de causas perdidas e coleccionador de máquinas de escrever, nos antípodas do mundo virtual de mensagens e de encontros cibernéticos. Mesmo tratando-se de uma simpática reformulação, sem arriscar desvantajosas similitudes, não podem perdoar-se a facilidade do fantasma da mãe, a refazer a fotografia, ou o frouxo reconhecimento com a óbvia presença musical de "Over the Rainbow" do "Feiticeiro de Oz". A Loja da Esquina "mudou-se mais para o centro" e perdeu a maior parte do seu fulgor.

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