Paul Thomas Anderson

É o mais incandescente talento a surgir no cinema americano: Paul Thomas Anderson, o novo "wonder boy" de Hollywood. E "Magnólia", um épico intimista sobre a vida em San Fernando Valley, na Califórnia, é uma emocionante sinfonia da infelicidade.

Aos sete anos escreveu no diário: "O meu nome é Paul Thomas Anderson. Quero ser argumentista, produtor, director de fotografia, realizador, técnico de efeitos especiais. Sei fazer tudo e sei tudo. Por favor, contratem-me."

Vinte anos depois, Paul Thomas Anderson era convidado por Warren Beatty para jantar, mas quis um restaurante bem iluminado, para as pessoas verem que ele estava com Warren Beatty. Foi aí que Francis Ford Coppola passou pela mesa: "Hoje ninguém te vai recusar nada, estão prontos a tudo; aproveita, que depois vai ser mais complicado."

E assim foi. Disputado pelas independentes Miramax e New Line - "Boogie Nights" (1997), depois do primeiro filme, "Hard Eight" (1995), surgira em plena euforia "indie" -, conseguiu da segunda, aos 30 anos, uma margem de manobra inédita, que foi fazer um filme de mais de três horas de duração, "Magnólia", e pôr as coisas em pratos limpos: "Vocês não me contrataram para fazer dinheiro. Contrataram-me para eu ser cool."

E assim foi. Quando se estreou "Magnólia", na mesma altura em que apareceram "Being John Malkovich", de Spike Jonze, ou "Três Reis", de David O. Russell, muitos se lembraram da "nova Hollywood" dos anos 70, e provavelmente no dia em que Coppola passou pela mesa do restaurante também sentiu que o seu testemunho, o dele e o de Scorsese, Cimino e dos outros, estava a passar de mãos. Se calhar, encheu-se de nostalgia pelas utopias passadas e pelas derrotas presentes.

A arrogância é a mesma, e o auto-convencimento é decisivo. Mas os "wonder boys" de hoje são mais pragmáticos do que os dos anos 70. O estúdio, o sistema, já não é o inimigo. E são "menos auto-indulgentes", como disse Peter Biskind, que tirou o retrato da geração de 70 no livro "Easy Riders and Raging Bulls", "memorabilia" fúnebre de uma década que, para muitos, foi a mais inovadora do cinema americano. Isto pode ser apenas uma forma de dizer que os "génios" têm hoje mais auto-estima e consomem menos cocaína. E alimenta-os um desejo de promoção aguerrido. O de Anderson é assumido, muito pouco torturado.

"Masturbo-me e limpo tudo de seguida"

Foi o típico "movie nerd", que em criança viu "ET" e se vestiu como Henry Thomas, determinado a voar de bicicleta; ou que depois de ver "Rocky" começou a comer ovos crus - já no caso do puré de batata, lembrava-se sempre de uma cena de "Encontros Imediatos do Terceiro Grau".

Mais tarde, com uma câmara de vídeo dada pelo pai, filmava as ruas de sua casa, em San Fernando Valley, California, onde passa o Magnolia Boulevard, para reproduzir os movimentos de câmara dos filmes favoritos. Já aí tentava antecipar o que viria a fazer nas suas longas-metragens: inscrever o seu nome nos sítios, como se ao filmar os estivesse a criar do nada. Assim resolvia o que considerava ser a sua falha: não ter nascido no lado errado de Nova Iorque (como Martin Scorsese) e nunca ter ido à guerra (como Oliver Stone).

Já cineasta, parece realizar filmes para reescrever a obra de outros realizadores: Scorsese, no caso de "Boogie Nights", "Nashville" e Robert Altman no caso de "Magnólia". É como se fizesse um número de magia de circo. É o seu lado "wellesiano", pela megalomania e por um filme se poder aproximar a um golpe de mágica, próximo do "bluff" - não é de menosprezar o facto de ter assinado o genérico de "Magnólia" como P. T. Anderson, como se o filme fosse um número de P. T. Barnun, empresário circence do século XIX.

Idiossincrasias à parte, em "Magnólia" o "wonder boy" rouba-nos o coração com uma história que junta um improvável mosaico de personagens e das suas infelicidades. Falou-se em "Short Cuts", de Altman.

"Existem paralelos", concede Anderson. "Magnolia também se passa em Los Angeles, com muitas personagens, e adoro Short Cuts. Mas senti que faltava a esse filme uma verdadeira relação entre as personagens: elas cruzavam-se, mas não havia uma relação entre elas. O que achei interessante foi encher essas vidas e esses dramas quotidianos de mistério e excitação."

Em "Magnólia" há Jason Robards no seu leito de morte, tratado pelo enfermeiro (Philip Seymour Hoffman) e pela mulher histérica (Julianne Moore). O seu último desejo é encontrar o filho pródigo (Tom Cruise).

Outra história tem como centro um apresentador de concursos infantis de televisão (Philip Baker Hall) com um segredo que assombra a relação com a filha, cocainómana (Melora Walters), que entretanto começa um romance com um polícia (John C. Reilly). William H. Macy interpreta um antigo campeão de concursos infantis que hoje está refém da depressão e do álcool. E há, como contraponto, um pequeno génio da actualidade, refém da ambição do pai. Ambos, o antigo e o novo génio, estão sedentos de amor.

O Grande Jogo da Existência

O filme é mais do que a soma destas histórias. Há um efeito constante de eco entre elas - a morte (o cancro), a aniquilação da figura paterna, ou a herança, para os filhos, do pecado dos pais. No centro do filme está um concurso televisivo e vamos descobrindo que todas as personagens estão ligadas à televisão. Sendo assim, os vários blocos do mosaico que é "Magnólia" são filmados como o Grande Jogo da Existência, parecendo concorrer umas com as outras em sofrimento e redenção. Anderson é o maestro desse "zapping" constante, que suspende uma narrativa para fazer entrar outra, que depois volta atrás para prosseguir com o que ficou suspenso ou que passa em revista todos os episódios para fazer o ponto da situação, não vá o espectador estar perdido.

A diferença maior em relação aos mosaicos de Altman é, precisamente, a transcendência. Em "Short Cuts" está apenas a mecânica, o aleatório em movimento. Ao contrário, "Magnólia", uma Sinfonia de Los Angeles, é uma caixa de ressonância onde ecoa a presença do "divino" - melhor, do temor da morte e do temor a Deus. É uma odisseia bíblica, onde se confrontam pais e filhos, que foi realizada por alguém que acredita que o sofrimento é o atalho para a redenção. "Masturbo-me e limpo tudo de seguida", é como ele sintetiza o seu sentido moral. Um outro exemplo de poder de síntese: o "New York Times" perguntou-lhe quando é que se tinha confessado pela última vez e ele exemplificou com "Magnólia - "Não viu? Tem mais de três horas de duração!".

"Adoro o meu pai, nunca tive problemas com ele; nesse aspecto o filme não é confessional", insiste Anderson - mas recusa-se terminantemente a falar da mãe. Admite, no entanto, que as personagens são baseadas nele próprio e que foram as canções da compositora e cantora Aimee Mann, a quem foi buscar diálogos inteiros, e uma canção dos Beatles, "A Day in the Life", que lhe estruturaram o filme, que lhe deram uma "voz".

O pai foi uma figura da TV americana, apresentava sessões de filmes de terror e fazia "voz off", e veja-se como Anderson utiliza esse dispositivo - oiça-se a voz do moribundo Jason Robards - para nos encurralar entre um filme gótico e um épico sobre a criação do mundo.

"O show televisivo que está no centro do filme foi, basicamente, uma forma de realçar a forma como os pais tratam as crianças. Trabalhei em shows do género, e sempre pensei um dia pôr isso num filme, filmar o que há de perverso nesse espectáculo. Penso que desde o nascimento até aos 18 anos tudo o que as pessoas precisam é de amor e atenção. Que o mundo seja duro e cruel depois disso; que as pessoas descubram isso depois, por si mesmas".

Anderson é um homem de família. Mas a família é extensiva, abarca os amigos, os actores: William H. Macy, Melora Walters, Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman, Philip Baker Hall, colaboradores de sempre. "Adoro-os, e adoro escrever para eles, porque não gosto de os ver a fazer mau trabalho" - sim, é um convencido, e até isso lembra o auto-confiante jovem Orson Welles.

"Tenho a teoria de que, como realizador, sou na maior parte das vezes um masturbador", insiste. Percebe-se, na forma como manipula o tempo nos filmes. "Mas a minha relação com os actores é de argumentista. Quando as coisas estão bem escritas, os bons actores saberão o que fazer. Não vou naquela conversa sobre a motivação da personagem."

É difícil para Anderson dizer qual é a história mais pessoal de "Magnólia", mas aqui vai: "Se tenho que escolher uma, é a que liga Claudia (Walters) ao pai, Jimmy (Hall), e ao seu romance com Jim (Reilly), o polícia. A personagem de Melora é a minha favorita em todo o filme. Não digam isto a ninguém."

A mais mediática, e sobre a qual se apoiou o lançamento do filme, é no entanto aquela em que Tom Cruise interpreta Frank T.J. Mackey, o agressivo e misógino líder de um grupo de ajuda a . "Seduzir e Destruir" é o seu slogan.

Anderson viajou até Londres, enquanto Cruise filmava com Stanley Kubrick "De Olhos Bem Fechados", para ir ao encontro de um desejo do actor. Seria a hipótese de Cruise dar provas do seu talento. Foi o melhor que podia ter feito - deu-lhe um Globo de Ouro e uma nomeação para o Óscar. E Kubrick acaba por "estar" em "Magnólia": ouvem-se os acordes de "Assim Falava Zaratrusta", o tema de "2001: Odisseia no Espaço", quando Mackey sobe ao palco para pregar a sua mensagem.

"Tom divertiu-se imenso, dizia: Stanley vai adorar isto. E é também adequado pelo facto de termos a maior estrela do mundo a aparecer no filme. É uma entrada em grande, ainda por cima para dizer palavrões". De uma vez só Anderson carrega no messianismo e faz a sua ironia.

"Gozei com ele depois de ver De Olhos Bem Fechados", conta Anderson. "Não admira que estejas tão ansioso por estar em Magnólia. Interpretaste uma personagem reprimida durante dois anos lixados, pá. A tua personagem no filme de Kubrick não ia para a cama com ninguém e estavas desejoso de o fazer. Em Magnólia havia essa oportunidade de se pavonear, e ele é fantástico."

Neste momento em que goza o período do absoluto - antes da catástrofe, acrescentaria Coppola? - e em que forma com a companheira, a cantora/compositora Fiona Apple, a nova proposta do "glamour" independente para a estação, Paul Thomas Anderson não sabe o que vai fazer. Diz-se que prepara um musical, novamente com canções de Aimee Mann e com a colaboração de Apple, e não sabe se quer "ser um cidadão do mundo como Spielberg ou viver retirado uma mansão como Kubrick". Ou como Kane, em "O Mundo a Seus Pés"?

Por Vasco Câmara e Helen Barlow

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