Teoria das gravatas

A gravata tem claramente uma conotação ideológica. Não é uma metáfora, mas, sim, aquilo que em retórica se chama uma metonímia: isto é, está ali para significar pela parte (a ausência de gravata) um todo (a liberdade das situações em que a pessoa diz: hoje não ponho gravata!).

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Louça, no Parlamento, em Maio de 2000 Miguel Silva/Arquivo

Quando há tempos um simpático jornalista a trabalhar para a nova revista de Vicente Jorge Silva, a Invista (e aproveito para mandar daqui um abraço para o Vicente, um dos homens que sempre tem inovado no jornalismo português), me pediu uma opinião sobre gravatas e nova economia, confesso que cambaleei. Não é que não esteja já habituado a tudo, mas tenho por vezes alguns instantes de perplexidade. Depois, percebi melhor qual era a ideia, aliás respeitável: a de que os gurus da chamada “nova economia” (que, sendo nova, não vai destruir a antiga num abrir e fechar de olhos) são muito jovens e pretendem ostentar o excesso de ideias através da escassez de informalidade, e dizem não à gravata.

É evidente que este vento de desabotoada dinâmica não atingiu ainda todos os sectores. Por exemplo, quem conheceu de perto a carreira diplomática sabe que um diplomata sem gravata é pior do que um diplomata nu. Mas quem se congratula com o facto justíssimo de Francisco Louçã ter sido o “deputado revelação” desta sessão parlamentar sabe que nele a não-gravata é tão essencial como a gravata o é para o diplomata. Neste plano, a gravata tem claramente uma conotação ideológica. Não é uma metáfora, mas, sim, aquilo que em retórica se chama uma metonímia: isto é, está ali para significar pela parte (a ausência de gravata) um todo (a liberdade das situações em que a pessoa diz: hoje não ponho gravata!).Ou, se quiserem, para tomarmos à letra as palavras da antropóloga Sónia Frias (citada no nº 1 da Invista), a gravata é “símbolo de estatuto e de sucesso”, e Louçã não aceita este modelo de estatuto e esta avaliação do sucesso.

Até aqui, nos encontros de Verão e balanço feitos em lugares da periferia de Lisboa, os membros do Governo queriam mostrar que eram pessoas como toda a gente e que não iam para a Ericeira ou para Palmela enforcados numa tira de pano com bolinhas ou gafanhotos esvoaçantes. Mas este ano a coisa foi diferente: embora a sincronicidade possa ser uma coisa maravilhosa, talvez haja uma explicação mais simples para o facto de desta vez terem ido todos de gravata: era preciso dar a ideia de que vão passar o Verão a trabalhar (enquanto os outros descansam e assim repousam nos laboriosos e incansáveis seus ministros).

E, se a minha televisão não me enganou, o sempre discreto José Sasportes escolheu a gravata com cravos vermelhos que exibia na sua tomada de posse não por motivos estéticos, mas simbólicos: os cravos são aqui o silencioso grito metafórico de que é preciso regressar às origens. Porque a gravata tem essa grande e anatómica vantagem de estar mais perto do coração do que da cabeça.

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