Os pequenos grandes passos locais
Descontos para obras mais sustentáveis, cantinas escolares que beneficiam a economia local e a agricultura biológica. São muitas as formas de estimular a mudança à escala local.
E se um regulamento municipal nos estimulasse, através de descontos nas taxas urbanísticas, a tomar opções mais sustentáveis na hora de construir ou reabilitar uma casa? Em Torres Vedras o factor “verde” já foi introduzido no regulamento urbanístico e um munícipe pode, no limite, poupar 90% nos custos com o licenciamento de obras. Um complemento interessante a um programa nacional, o Edifícios+Sustentáveis, que apoia intervenções na área da eficiência energética até 7500 euros por fogo.
A acção municipal no combate às alterações climáticas passa tanto pelas intervenções físicas em espaço público quanto por estímulos à acção privada e, desde logo, pelo impulso à mudança de comportamentos, admite a presidente desta autarquia, Laura Rodrigues. Este município do Oeste pode ser mais conhecido pelo Carnaval, mas destaca-se também no plano dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, como se percebe nas boas práticas relacionadas com esta área inscritas na plataforma ODS Local.
Uma delas, já com oito anos, é a entrega da confecção das refeições escolares a instituições particulares de solidariedade social do concelho. Esta aposta na economia local incluiu também uma alteração nas regras da contratação, de forma a beneficiar os circuitos curtos de fornecimento, para garantir frescura e minimizar a pegada ecológica do transporte. Nenhum produto pode ser entregue em embalagens descartáveis e, no caso dos legumes para as sopas, têm de ser biológicos. Não foi fácil, admite a autarca, agrónoma de formação.
Todo o projecto, entretanto alargado aos vários níveis de ensino, “dá muito mais trabalho” e custa muito mais do que aquilo que recebem do Ministério da Educação. Mas são duas rotundas menos que por ali se constroem, desvaloriza. A contrapartida? “Ganhamos muito mais”: uma ementa equilibrada, como acontece noutras escolas do país, mas aqui muito adaptada à sazonalidade dos produtos; e uma comunidade escolar que cultiva a literacia da alimentação saudável não apenas na cantina, mas nas hortas urbanas, cuja produção, também biológica, abastece essas cozinhas e é usada, também, para ensinar os estudantes a cozinhar, explica.
A expectativa é que uma iniciativa destas leve mais produtores a transferirem as suas explorações para modelos mais sustentáveis, ao mesmo tempo que se educa a população, a partir das suas crianças, para a importância de um consumo também ele preocupado com o respectivo impacto ambiental. É a mesma lógica que, algumas centenas de quilómetros mais a sul, encontramos no futuro parque Urbano e Agrícola de Loulé, que aliará espaços de lazer à produção de alfarroba, amêndoa e outros frutos tradicionais. Todos de sequeiro, não fosse esta uma das áreas onde a seca já chegou sem ser convidada, levando o município a pretender alastrar a outros territórios uma experiência já com 20 anos, na Quinta do Lago, cujo campo de golfe é regado com águas residuais tratadas.
É ainda com o mesmo princípio que se desenvolveu, em plena serra algarvia, um projecto exemplar de comunidade energética escolar, na EB 2,3 de Salir. Os painéis fotovoltaicos alimentam as necessidades do estabelecimento e, com o excedente de produção, pagam-se algumas obras que melhoram a eficiência energética das instalações. Loulé, como outras autarquias em Portugal, já percebeu as vantagens da produção de energia a partir dos telhados dos edifícios que tutela e conta já com uma capacidade instalada de 1,5 MWh. O programa Loulé Solar tem ajudado também as IPSS do concelho a instalar sistemas destes para redução da respectiva factura mensal.
Se os benefícios de uma opção como esta são evidentes para a população que pode, com eles, ser estimulada a promover também a produção de alimentos e de energia para autoconsumo, noutros casos a acção local debate-se com bastante oposição. Isso nota-se desde logo quando se trata de mexer no espaço público e no predomínio do automóvel. Em Torres Vedras, como em Loulé, Lisboa ou noutros concelhos, os esforços para abrir caminho à mobilidade em bicicleta são olhados como imposição de um hábito estrangeiro por muitos adultos, o que exige dos autarcas paciência, disponibilidade para o diálogo e capacidade de fazer uso de informação e estudos para mostrar que as ciclovias têm um uso crescente.
Já as crianças exultam quando estes municípios lhes criam condições para pedalarem dentro da escola e no caminho que todos os dias tomam para lá chegar, o que explica o sucesso das mini-Agostinhas, a versão para a pequenada do serviço de bicicletas partilhadas Agostinhas, de Torres Vedras, ou dos comboios de bicicleta casa-escola que vão surgindo pelo país. Sem um nome tão sonante como o do campeão de ciclismo, o serviço de velocípedes de uso público que Loulé iniciou há uma década em Vilamoura vai ser expandido a outras áreas do concelho com 560 novas viaturas, parte delas eléctricas, em complemento a uma aposta numa rede de carregamento de automóveis também em expansão.
Com maior ou menor oposição, com velocidades e níveis de empenho distintos, ela já está a acontecer nestes concelhos, nos que com eles participam na iniciativa Adapt.local, nos que se associam a plataformas como a ODS Local, centrada nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, ou em associações internacionais que permitem observar o que outros, lá fora, vão fazendo. A transição não vai ser fácil e exige perseverança. “Somos eleitos para gerir conflitos. Se acreditamos no que fazemos, temos é de prosseguir neste caminho”, sintetiza Laura Rodrigues.